Os dedos a tamborilar a bancada do bar particular da enorme mansão estavam tão frios quanto a personalidade da rica e esnobe Evangeline Andrews. No entanto, não se pode julgá-la. Após anos de muito dinheiro e pouco afeto, a vida lhe deu pensamentos frios. Restaram-lhe apenas suas bebidas importadas como fonte de calor.

Em contrapartida Antônio Firmino, um homem pobre, recebeu carinho em demasiado e carência de conforto. Seu interior como única frieza se encontrava a necessidade.

Frio e calor. Evangeline e Antônio. Chame de coincidência, destino ou fatalidade, mas lá estavam eles. Ela a beber seu whisky Bourbon e ele com uma arma apertada entre os dedos inseguros.

— A senhora não ouviu? Para o chão!

— Senhora é sua avó!

— Quer levar um tiro?

— Quero.

— Quê!?

— Quero o tiro. Vamos lá. Não tenho tempo a perder.

— Eu não vou matá-la. — Diz atônico ao encarar a expressão serena da mulher.

— Então por que está com a arma?

— Preciso de dinheiro. Para minha família e eu sobrevivermos. Não sou o vilão.

— Então, quem é?

— A vida.

— Não pode culpar a vida por tudo. Tem de aproveitá-la ao invés de culpá-la.

— Então por que o faz?

— Eu não culpo a vida por nada!

— Mas tão pouco a aproveita.

— Como não a aproveito? — Esbraveja ao bater com a palma da mão com força sobre a bancada. O álcool a lhe afetar os pensamentos coerentes. — Olhe esta casa, esses móveis e bebidas caras!

— Isto não é aproveitar. A felicidade não está nas coisas.

— Pft! Que clichê. São sempre vocês, pobres, que vêm a público para falar estas coisas e isto acontece somente porque não tem dinheiro para fazer o mesmo.

— Mesmo se o tivesse. De quê adianta se neste caso o dinheiro me tornasse alguém como você?

— O que quer dizer com isso?

— A observo há tempos. Queria informações antes de saquear um lugar como este. Vive sozinha nesta casa grande. Não sai muito senão para o trabalho. Não sorri por pequenas coisas, porque não tem ninguém para lhe mostrá-las. Não é feliz… — Um passo é dado em sua direção com os olhos fixos no movimento de engolir da garganta — Ao menos quando chegar em casa terei alguém a me esperar. Tenho mais do que você, senhorita. As coisas invisíveis aos olhos são mais valiosas ao coração.

O silêncio se instaurou por um longo momento enquanto as camadas frias de Evangeline trincaram-se.

— Leve tudo! — Esbraveja dirigindo-se para saída.

— Para onde vai?

— Procurar algum valor invisível.

O que ele não sabia era que no importado whisky Bourbon, havia veneno nacional. O que ela não sabia era que ele tomaria de sua bebida mortal solta sobre o balcão de mogno.

Frio e calor. Evangeline e Antônio. Chame de coincidência, destino ou fatalidade, mas o homem de sangue quente que procurava vida ganhou a morte fria e a mulher de personalidade fria que almejava a morte ganhou a vida, pois não tomara o suficiente do líquido tóxico.

Bata na mesa neste momento, esbraveje, grite e ache injusto, mas nada mudará os fatos aqui descritos. No entanto, talvez mude os que ocorrem à sua volta. Afinal, o fim desta história foi mergulhado em iniquidade, injustiça e tristeza, mas a vida também é repleta de Evangelines e Antônios. De frio e calor. Venenos e Whiskys Bourbon.

 


Isabeli Nascimento
– acadêmica de jornalismo