Grupos brusquenses vão à Serra catarinense por caça de javalis-europeus

Entusiastas do tiro lamentam burocracia para exercício da atividade e revelam detalhes de viagens e métodos

Grupos brusquenses vão à Serra catarinense por caça de javalis-europeus

Entusiastas do tiro lamentam burocracia para exercício da atividade e revelam detalhes de viagens e métodos

Entusiastas da caça que moram em Brusque veem na Serra catarinense uma oportunidade para exercer seu hobby dentro da legalidade, viajando à região para a caça de javalis-europeus, espécie invasora que costuma devastar partes da safra agrícola. A espécie não é nativa e, portanto, não possui predadores no Brasil. Desta forma, é possível fazer o que se chama de “manejo de fauna exótica invasora”, ou seja, a caça dentro da lei, desde 2013.

Os javalis foram trazidos para criação entre os anos 80 e 90. Após o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) ter suspendido as importações de suínos exóticos e interrompido as permissões de criação, muitos javalis acabaram fugindo ou sendo soltos na natureza, causando um desequilíbrio ecológico.

A maioria dos caçadores de Brusque possuem grupos formados, que lidam também com a parte burocrática da atividade, e são associados a clubes de caça e tiro. A frequência das viagens depende das condições climáticas e do período das safras. O milho, por exemplo, é um dos alimentos preferidos do javali, com lavouras que costumam ser bastante ameaçadas pela espécie.

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Membro do JVK Clube de Tiro, Luiz André Petermann organiza e orienta alguns grupos. “Todas as pessoas possuem armas regulamentadas junto à Polícia Federal. A grande maioria dos grupos de Brusque e cidades vizinhas caçam utilizando armas de fogo e com o auxilio de cães”, explica.

A caça, a princípio, é meramente esportiva, ainda que o Ibama reconheça a atividade de manejo de fauna exótica invasora atribuída a prestador de serviço. Ou seja, é possível caçar os javalis profissionalmente, prestando serviços a proprietários de terras rurais. “Hoje o mais comum é que o proprietário da fazenda forneça a estrutura para acomodar a equipe e forneça condições favoráveis à caça. Com certeza existe uma simbiose entre quem precisa sanar os prejuízos causados pelo javali e os caçadores.”

Além das características físicas, os hábitos e comportamentos dos javalis-europeus são muito diferentes daqueles dos catetos e queixadas, espécies nativas que não podem ser caçadas. “É praticamente impossível uma pessoa que se submete a todas as burocracias [para a caça] confundir um javali com um queixada ou até mesmo um cateto”, comenta.

As armas de fogo utilizadas para a caça são espingardas a partir do calibre .20, que podem ser de diversos tipos, como a de dois canos e a de repetição. Alcides Dada faz a caça em Lages há dois anos com seu grupo pelo menos uma vez por mês, e mata de dois a cinco javalis por viagem. Regularmente, ele também treina em um clube de tiro.

“Dependendo do tamanho do animal, a gente faz algum corte, come a carne na fazenda, alimenta os cachorros. Javalis são animais muito agressivos, eles podem deixar de correr atrás do cachorro para correr atrás do ser humano. Tem que ter cuidado, principalmente com os mais machos mais velhos.”

Dada faz a caça com cães, que cercam os javalis e indicam a localização ao caçador com latidos. Geralmente, uma equipe é formada por quatro ou cinco pessoas. Os animais são encontrados quase sempre durante a noite. O tempo frio e úmido é o mais propício para a atividade, pois são quando os javalis mais saem aos campos abertos e às plantações.

Humberto Marchi é fundador do grupo Tá Lá a Porcada e faz a caça há vários anos em uma propriedade rural de Campo Belo do Sul. Desde que a caça se tornou legal, ele possui toda a documentação necessária para o exercício do manejo. No ano passado, o grupo abateu 52 javalis.

O empresário tem quatro armas, faz a caça em equipes de no mínimo três pessoas, a chamada “caça limpa”, sem cachorros. Com uma caminhonete adaptada, uma das pessoas utiliza o farol na carroceria, para iluminar o campo durante a noite, e outras atiram. Atualmente, o grupo tem 15 integrantes.

“Costumávamos matar de cinco a dez por noite. Já diminuiu bastante. Ainda há bandos grandes, mas não como antes. Fêmeas e leitões geralmente andam em bando. Os machos andam em bando quando as fêmeas estão no cio, mas no geral ficam sozinhos”, explica.

Crânio do animal morto por faca está exposto no escritório de Marchi | Foto: João Vítor Roberge

Uma das caças mais marcantes de Marchi tem lembranças em seu escritório: um crânio de javali preso a um grande corte de madeira. Na ocasião, em perseguição a um javali, após muitos erros nos tiros da equipe, Marchi conseguiu acertar um tiro que parou o animal. Na sequência, o caçador matou o animal com uma faca.

“Sempre tiramos fotos para guardar de recordação, mas tentamos fazer algo mais consciente, sem sangue, sem carnificina. Entendo que é necessário respeitar a caça”, explica.

O caçador também afirma que a morte sem sofrimento é necessária para que a carne do animal seja melhor aproveitada. “Caças com cachorros de agarre, que entram em briga com os javalis, já não são permitidas. E a carne com caça de cachorro é sempre pior. Quanto mais o animal sofre, pior a carne.”

Diversos requisitos
O Ibama é responsável pela regulamentação da caça a nível federal. É exigida uma série de procedimentos e documentos para caçar javalis com arma de fogo sem infringir leis:

– Certificado de Registro (CR) com atividade de Caçador, documento que é emitido pelo Exército.

– Guia de tráfego com finalidade Manejo de Fauna Exótica Invasora para a arma que será utilizada, documento emitido pelo Exército.

– Cadastro Técnico Federal contemplando a atividade de Manejo de Fauna Exótica Invasora, feito junto ao Ibama.

– Procuração assinada pelo dono da propriedade rural, dando autorização ao Caçador para efetuar o manejo de javalis em sua propriedade. Do contrário, se a fiscalização encontra o caçador sem a companhia do proprietário ou sem a autorização, a ação se caracteriza como invasão de propriedade.

– Declaração de Manejo de Espécie Exótica Invasora, devidamente preenchida e protocolada junto a uma unidade do Ibama no estado onde vai ser efetuado o manejo.

– A cada três meses, durante a vigência da Declaração de Manejo, o caçador deve obrigatoriamente protocolar junto ao Ibama um relatório, informando: se houve abate, sexo do javali, peso, e eventuais sintomas de doenças.

A Polícia Militar Ambiental (PMA) faz a regulamentação e a fiscalização das atividades de caça dentro de Santa Catarina. O aplicativo Ambiental SC é uma tentativa de desburocratizar a expedição das permissões para o abate de javalis no estado e fornecer dados de capturas, abates, danos e aparições dos animais. A regulamentação junto a PMA não tira a obrigação do caçador de realizar o Cadastro Técnico Federal ou de protocolar trimestralmente o Relatório de Manejo.

Humberto Marchi/Arquivo pessoal

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Empecilhos
Para Marchi, um dos principais incômodos é em relação ao que é permitido fazer com a carcaça por lei. A carne deve ser consumida na mesma propriedade ou então o animal deve ser enterrado. Na visão do caçador, não há uma contrapartida: a caça favorece as propriedades rurais, sem custos, mas o caçador costuma ter pouco ou nada a ganhar além do prazer pela atividade.

O excesso de burocracia é outro obstáculo, mesmo com o aplicativo Ambiental SC. “Recentemente, somos obrigados a ter as documentações regularizadas junto à Polícia Ambiental e ao Ibama também, por causa de um ofício emitido. É um retrabalho, nos obriga a utilizar o aplicativo”, destaca.

O caçador também acredita que o debate sobre o javali-europeu se tornou ultrapassado depois da regulamentação da caça. No entanto, há divergências sobre o cumprimento dos requisitos legais em âmbito nacional. Em São Paulo, por exemplo, o abate já chegou a ser proibido novamente. “Não tínhamos mais que estar discutindo sobre o javali. Já deveríamos estar discutindo sobre lebres, sobre capivaras.”

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