A história do haitiano que chegou ao Paysandú e aprendeu a gostar de Brusque

Mervens Jean luta para conciliar trabalho, faculdade e sua maior paixão, o futebol

A história do haitiano que chegou ao Paysandú e aprendeu a gostar de Brusque

Mervens Jean luta para conciliar trabalho, faculdade e sua maior paixão, o futebol

Aos 22 anos, Mervens Jean luta para conciliar a faculdade de Ciências Contábeis, o trabalho no supermercado e seu lugar no elenco do Paysandú. Apaixonado por futebol, o haitiano deixou a terra natal e chegou a Brusque em 11 de julho de 2018. Desde então já fez diversas amizades, se diz muito bem adaptado ao país e já fala português em ótimo nível.

O atacante estrangeiro do alviverde nasceu em 23 de julho de 1997 em Gonaïves, a segunda maior cidade do Haiti, capital do departamento de Artibonite, com pouco mais de 100 mil habitantes em sua região metropolitana e 300 mil na comuna inteira. Localizada ao norte do país, fica a 143 quilômetros da capital, Porto Príncipe.

Conhecido pelos amigos como “Marvin” ou simplesmente “Jean”, sua paixão pelo futebol começou na distante Gonaïves. Com 13 anos, estava em escolinhas de futebol e, no início, era meia. Destacando-se pela velocidade, o baixinho logo passou a atuar mais à frente, jogando como segundo atacante.

“Meu pai não gostava que eu jogasse futebol e fosse para a escola. Os treinos eram de manhã, e à tarde não estavam disponíveis boas escolas. Ele dizia que eu deveria escolher o futebol ou o estudo. De certa forma, escolhi o estudo, e acabei deixando o futebol para o tempo livre”, relata.

Vida em Brusque
Inclusive, foi o estudo que o fez vir ao Brasil. Sua mãe, que já morava no Paraná, o convenceu, dizendo que haveria mais oportunidade de trabalho e também para jogar futebol. A mãe já estava no país há alguns anos, morando no Paraná. Hoje, Jean e a mãe moram no bairro São Luiz, e o jovem estuda Ciências Contábeis na Uniasselvi/Assevim. “Gosto dos estudos, é por isso que vim pra cá, mas meu sonho sempre foi ser jogador de futebol profissional.”

Jean conquistou o respeito do técnico do Paysandú, Agenor Cipriano, mas raramente consegue jogar. Os trabalhos em um supermercado incluem os fins de semana, o que torna a conciliação de horários muito difícil.

O haitiano aprendeu a gostar de Brusque. Após ter ouvido sobre o quão racista a sociedade brasileira pode ser, a surpresa foi positiva, pois Jean afirma não foi vítima de discriminação desde que chegou a Brusque. “Até agora, são nove meses desde que cheguei, e não vi isto acontecer comigo. Fui bem acolhido, tenho amigos brasileiros que gostam muito de mim, me convidam para sair, perguntam como estou se não dou resposta.”

Jean também encontrou compatriotas em Brusque, como o amigo Ellie Jeff Jean Baptiste, o Jeff, que joga pelo River Plate Azambuja. Um de seus primeiros contatos com o futebol em Brusque foi no Sesc, e logo Jeff o chamou para tentar jogar no Juventude. Um outro amigo ainda o chamou para o América do Steffen.

Mas foi em março, em um teste durante um amistoso do Paysandú contra o Angelina, no bairro São Pedro, que Jean definiu onde jogaria. Após um gol marcado, foi integrado ao elenco pelo técnico Agenor Cipriano.

Agora, Jean espera poder jogar com mais regularidade. A rotina é dura, com trabalho às manhãs e à tarde a faculdade à noite. Chega no trabalho às 8h e em casa depois das 22h. “Futebol é o que eu mais gosto na vida. Quero continuar no Brasil. A gente tem sempre que olhar para frente, pensar na frente. Não devemos voltar, olhar para trás”, afirma.

O haitiano sonha grande, ao mesmo tempo em que tem os pés nos chão e se dedica à rotina puxada. “Eu queria muito jogar pelo Brusque um dia. Um sonho maior era ser um jogador mundialmente conhecido. Queria muito isso. Chamar a atenção de algum time”, relata.

Paysandú abriu as portas para Jean | Foto: João Vítor Roberge

Haiti x Brasil
Jean tinha sete anos em 18 de agosto de 2004, um dia histórico para o futebol de seu país: Haiti e Brasil se enfrentaram em Porto Príncipe, no chamado Jogo da Paz, que parou a porção ocidental da Ilha Hispaniola. Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos, Juninho Pernambucano, Dida e Adriano eram alguns dos craque que alegraram os mais de 15 mil haitianos no estádio Sylvio Cator. O placar foi 6 a 0, com três gols de Ronaldinho Gaúcho, um de Nilmar e um de Roger.

“Eu me lembro muito do jogo, mas meu pai não me deixou ir porque haveria muita, muita gente, disse que poderia ser perigoso. Mas ele foi, ele viu aquele jogo ao vivo, e eu pela TV”, explica.

No Brasil, seus times preferidos são Corinthians e Santos, que têm várias de suas partidas transmitidas no Haiti. Na terra natal, o atacante é torcedor do Eclair de Gonaïves, pequeno clube onde teve a chance de jogar ainda enquanto garoto, com 13 e 14 anos.

“É difícil no Haiti, o pessoal olha muito para a parte física, e eu sou baixinho. Recebi a chance no Eclair. Cheguei a fazer parte da seleção sub-15 do Haiti, mas é difícil. Havia muita politicagem no meio, muita indicação, tinha que conhecer as pessoas certas”, lamenta.

Pouco se sabe e muito se fala sobre o Haiti, país pobre da América Central, localizado na Ilha Hispaniola e que faz fronteira com a República Dominicana. Jean, que viveu nos dois países, afirma que uma das principais diferenças entre Brasil e Haiti está na diferença das oportunidades oferecidas.

“Todo país tem problemas. No Haiti, se você tem um emprego, você tem que se agarrar muito, muito firme. Se perder, se complica muito. Acho que aqui ainda há mais oportunidades para pessoas que não tem tanto estudo, ainda se consegue levar bem a vida. No Haiti, se não estudar bem, é muito mais difícil ter uma vida digna.”

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