ilustração karline– Mãe, olha.

– Vem, Isaac.

Por quê?

– Vem, filho.

– Por que ela tá sentada no chão? O que ela pediu? – entrávamos em uma agência bancária bem no centro da cidade.

– Acho que ela quer dinheiro, pode ser comida também.

– A gente tem?

– O quê?

– Dinheiro, ué. Tu vai ali pegar, né?

– É que… É que não sabemos o que ela vai fazer com o dinheiro. Seria importante ela conquistar com algum trabalho, entende? – falava baixinho, disfarçando.

– Vamo ali dizer pra ela, mãe. – falava alto, empolgado.

– Calma, Isaac. Fica aqui.

– Ela tem uma coisa no pé. Tá toda suja.

– Não é tão simples, filho. – já nos encontrávamos em frente ao caixa eletrônico de onde era possível enxergá-la pelas paredes de vidro.

 

– Ninguém tá dando, olha! Ela mora ali, mãe? Ela é uma mãe?– concentrar-me na máquina não era mais uma opção.

– Não sei, filho! – um pouco irritada, fui desviar as insistentes puxadas na minha saia e, de repente, eu a vi. Foi em câmera lenta, eu a vi.

– Mããee! Né que ninguém dá nada? Olha!

– Tudo bem, vamos ali e perguntamos o que você quiser. Oferecemos comprar alguma coisa pra ela comer, ok?

– Mas, vem junto. A gente pode fazer um lanche, né mãe? – êta pergunta atravessada, mas consenti com um orgulho desmedido. Ele parecia estar ansioso para resolver, ao mesmo tempo que lhe causava receio, estranhamento, quase um medo.

– Oi. – voz engasgada e com metade do nariz enterrado na minha perna ele desembrulhou perguntas todas de uma só vez.

– Tu dorme aqui? Por que teu pé é assim? Tu gosta de chocolate? Tem uma cadeira ali do pipoqueiro, ó, quer? Ele é amigo do meu Opa.

Aquela senhora estava tão espalhada, não quis levantar e nem comer conosco. Disse que preferia o dinheiro. Ele então ficou perdido com o desfecho que achou que resolveria a partir do momento que ela aceitasse o que nós considerávamos o ideal e eu, logo ao lado, buscando me ajeitar na vergonha ridícula que eu sentia por estar enxergando-a e desencadeando o olhar dos demais que passavam. Como num passe de mágica, mendigos e mendigas passam a existir quando alguém os enxerga. Confronto entre reconhecer que vi o invisível e aceitar que não pude mais fingir.

– Mãe? Dá dinheiro.

Apesar da tontura, fiquei aliviada em dar o dinheiro, foi muito mais fácil. Ela volta a desaparecer e nós voltamos ao trabalho. No entanto, algumas sobras ficaram, algo mudou. Perdi o poder de ignorar mendigos. Eu os vejo, nem sempre paro ou ofereço algo, mas eu os vejo, meus pensamentos pausam por instantes e eu me sinto mal, me causam desconforto, dá vontade de saber sua história, descobrir se tiveram escolhas ou se havia força para fazer alguma escolha. Para aliviar, eu me reconecto com o mínimo a ser feito, me importar e compreender.

Crianças curam muitas cegueiras.

 

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Karline Beber Branco – professora e mãe