– Ah! O rei quer ficar perto da torre, daí ele se esconde ali.
Convencê-lo que a torre segue somente em linhas retas e que, ao mesmo tempo, é uma torre, enchia-o de esperança na história que poderia tomar lugar naquele tabuleiro quadriculado.
– O rei não pode entrar na torre, filho. São as regras.
– Mas a torre anda!
Estávamos plenamente inseridos naquele momento, queríamos tanto ensinar. Os jogadores eram pai e filho, eu servi de apoio para que nosso rebento respeitasse as normas da batalha. Sem esses princípios, não há xadrez, eu supunha.
– Puxa vida, filho! O cavalo anda em “L”, assim ó.
– Não. O meu cavalo pode teletransportar.
– Então o do papai também. Caso contrário você já sabe que o jogo tá ganho, certo?
– É, mas eu já peguei a rainha e ela vai soltar um raio.
O discurso sobre a importância das leis que regem o combate instalou-se, uma vez mais. Havia, pairando naquele lugar, a necessidade de pai e mãe apresentarem ao herdeiro, de toda aquela vida, a subjetividade das leis que existem para garantir a justiça entre os adversários. Ambos os times investem no manual do jogo a fascinação que advém da dúvida. Se possuem os mesmos poderes e seguem os mesmos direitos e deveres, o que fará um melhor que outro? Para valer a brincadeira, a imprecisão, o não saber o futuro é que nos move para jogar. Ou não é?
– Que graça tem? Você inventa essas coisas e assim não tem jogo. Tem que saber jogar. Isso que é legal.
– Eu queria jogar assim. O que que tem?
Distanciei-me dali e fui alcançar o que vem fomentando minhas reflexões. Papel e caneta. Muito em breve ele ganharia, embora não se tratasse de vencedores, muito menos perdedores, mas sim de outra coisa. Ele nos esclareceria algo sugestivo à disputa que se encontrava num céu acima do xadrez. Em outras palavras, a compreensão macro do micro. Melhor ir além aqui. O que quero dizer é: ele percebeu a si mesmo no contexto, e nós não. Ele estava consciente da fantasia que desejava instaurar, nós não. Quando insistimos no:
– Filho! Tem que saber perder.
Fomos amparados porque angustiávamo-nos por não fazê-lo respeitar as regras. Fomos iluminados pela verdade, a verdade do que vivíamos ali.
– Eu sou criança. Adulto sabe perder.
O choro veio. Xeque-mate.
Karline Beber Branco – professora e mãe