– Tu tá falando alto. Isso é feio, tá.
– Mas tu não me escuta.
– Escuto sim, tá.
– Filho, eu tô pedindo faz meia hora. Coloca o tênis, precisamos sair!
– Quanto é meia hora?
– Aix, presta atenção. Tá vendo…
– Eu escuto mais quando tu não fala alto. Eu tô pegando o tênis, viu?
– Eu falei alto, eu sei, mas você não me escuta.
– E tu não vê!
Neste exato e afiado momento eu me considerei inteligentemente desafiada. Ele me ouvia, ele me via, ele sabia o que estava acontecendo. É a rotina, ué! Eu aviso, como um trilhão de outros pais, a hora de sair, a hora de voltar, a hora de comer, a hora de ir pra cama, a hora de fazer as tarefas, a hora… é muita hora mesmo.
Não quero perder o foco aqui, vamos lá. Bom, a discussão não era essa. Eu falei alto porque ele não me ouvia. Na verdade porque ele não queria ouvir ou porque ele ouvia e achou que podia dar mais um tempo ou talvez ele não tenha ouvido pois o costume de ouvir o fez simplesmente não ouvir. É, acho que é muita hora mesmo.
Me atropelei nas palavras, de novo. Ó, eu vejo sim, poxa. Vi que ele não se mexia para colocar os digníssimos tênis e a gente dar conta de sair no horário certo. É tão obscuro isso? Como assim, tu não vê? E a meia hora? Pois é, a meia hora não era bem meia hora, assim de verdade, sabe como é? Força da expressão. No entanto, é muito bom poder exagerar para atingir o objetivo da urgência. Eu tinha muita pressa. Talvez não tenha explicado o quão afoitos a pressa nos torna. É muita hora, mesmo…
Para que tanta bagagem num “conversê” de poucos minutos sobre algo por demais ordinário, diz aí? Após a alfinetada sobre eu não ver, que me arrepiou a espinha feito gato alerta, cachorro provocado, passei uns 3 ou 4 segundos garimpado no tornado de interpretações daquele momento o tom da voz correto, o conteúdo da fala convincente, enfim, em como não admitir que eu havia falado alto à toa, e que… é muita hora mesmo. E que, na verdade, ele não me ouvia porque eu não via.
– Filho, precisamos conversar sobre o tempo. A meia hora, sabe? Eu não sei quanto é. Depende da pressa. Ela me fez falar alto, sabe? – me sentei quase tendo um chilique de tanta agonia por causa da hora.
– Mãe, a pressa tem superpoderes, né?
Minhas pernas pararam de sacudir e passei a enxergar.
Karline Beber Branco – professora e mãe