Sou uma loba mansa. No entanto uivo fogo. Escorre de dentro de mim um líquido quente. Me lambuza por entre as pernas que se abrem. Elas não temem a guerra. São selvagens, firmes. Invadem a sala de estar, onde escondo meus anéis de saturno, e caminham decididas, donas do mundo.

Posso até cometer insensatez, no entanto não há dúvida em meu desejo. Guardo, por precaução, minhas armas na geladeira. Não as quero submissas do fogo da paixão. Quero-as claras, límpidas e frias. Não tenho dúvidas do que desejo. Uso meu faro para descortinar atrocidades. Tenho um olhar inteiro, que não vacila. Nessa selva em que habito, predador e criatura se mesclam.

Não abandono minha loba no cio.

Faço as vísceras se empenharem, se empoderarem, entrarem, pau-la-ti-na-men-te, em desalinho.

Prefiro assim, esta saudável desordem, incongruência de uma deusa suja que foi despertada. Somente assim, o medo sucumbe ao êxtase. Com os membros firmes, seguro as presas, e as amo, antes de comê-las.

Interrompo as comiserações para impor as entrelinhas, sou porta-estandarte de minhas entranhas, intensidade é quase relevante. Subo em pedestais como se fossem balões de ar que talvez estourem, e de mim, reste apenas a relevância, sem militância, sem especiarias.

Como uma altruísta, mulher artista, quando a guerra começa não deixo rastro.

Minha fome acalenta um novo caminho e sou um quartel general em polvorosa. Incêndio. Estampido. Mato, mas não morro. Escolho as simbioses articuladas, rosas púrpuras, avelãs e medos. Quase me desconheço nessas horas…sou uterina, uma deusa obscena. Me introduzo nas entranhas da terra, relapsa e inconsequente assinalo a primeira pincelada incoerente…

Se desenho, são labaredas imensas e quentes num ensaio desiderata. O traço inadvertido é pura energia acumulada. Tenho cúspides internas, sonhos que revolucionam as atitudes…

…. e então vem a palavra, a boca, o lábio, a língua que se sujeita ao ânima… prometo atributos selvagens.

Finalmente entendo o silêncio. Cio eterno a abocanhar vísceras… uivar, gritar, atingir o que me habita. Nada sucumbe. Aparo arestas, vesga e tonta, recitando poemas absurdos e pronta para fazer mistérios.

E me arrisco.

Abro as asas e fico planando.

Contemplo a simbologia das rosas e deixo que todos os cheiros do mundo se compartilhem e virem flor.

Sou uma loba mansa, porque não te arriscas e te rendes?


Silvia Teske
– artista