Havia nela uns ares de quem não é desse mundo. Já na minha infância me encantavam seus pudins coloridos sobre a máquina de costura. Era difícil saborear o almoço, pois a expectativa daquelas delícias era intensa, embotava os outros sentidos… Tinha uns olhares de faz de conta, e um humor de gargalhadas e afetos. Sempre tivemos uma conexão prazerosa: eu, a sobrinha meio maluquinha, ela a tia que gostava de bonecas. O mais perfeito de seus achados, era sua mão boa para o plantio. Diversos eram os sabores e os perfumes que acompanhavam sua atitude concentrada, diante de seu jardim. Ela plantou muitas coisas bonitas e certeiras, a começar pelos filhos…ah, meus primos com amores estrelados. A mais velha, quando crianças, inventávamos brincadeiras e compartilhamos momentos ímpares. Hoje, um mulherão, com netos e filhas belíssimas. A do meio, fiquei mais próxima já na fase adulta, descobri nela os mesmos olhares envidraçados e o gosto pela alforria. Hoje, mulher guerreira, com filhos incandescentes e possuidores de certezas. O único filho, que de pequeno, era o menor e hoje é o mais alto, demorou para construir família, mas como tem a docilidade das esmeraldas, hoje prepara de peito aberto o filho que vai nascer.  E minha tia, ah, minha tia, sempre teve a devoção pelas rosas…. Elas enriqueciam seu jardim, rodeavam a casa e invadiam a rua atrás dos muros. Rosas cheirosas. Rosas multicoloridas. Grandes, pequenas, médias. Rosas com pétalas a invadir de cores não só o jardim, mas o mundo. As rosas eram tão intensas, que, não se sabe quando, começou a construir uma rosa dentro de si. Paulatinamente, pétala por pétala, ia construindo, sem que nos déssemos conta um jardim interno, com uma rosa que crescia cada vez mais. A tal ponto, que começamos a observar, um certo dia, por acaso, que o movimento de seu corpo já não era humano, mas tão leve quanto flor. O olhar, por vezes se perdia em devaneios dormentes, e com muito custo, conseguíamos faze-la viver entre nós. Mas, logo, assim que a oportunidade aparecia, minha tia, tão sabida, voltava a construir sua rosa interna. Plantou-a em um local que não percebíamos. Regou seu cérebro com a mais pura terra e colocou ali sua semente. Com solo tão fértil, logo a rosa iniciou seu processo de crescer. Foi tomando conta, expandindo-se naquele local protegido por ela. Quando percebemos, a rosa já estava gigante, e suas pétalas e cores acomodaram-se por toda sua cabeça, não deixando espaço para colhe-la. E então, o grande milagre passou a fazer parte da vida. Ela já não era uma pessoa, era uma rosa, abrigada dentro de um corpo humano. Não eram mais palavras que saiam de sua boca, mas o farfalhar de folhas, e o ruído quase inaudível de sua corola a enrodilhar seus filetes e estigmas. Minha tia virou um receptáculo floral, onde seu corpo se tornou o pedúnculo da rosa. Seus movimentos se tornaram menores, pois sua atitude estava no perfume, e na carícia alheia de rosa, em quem se transformara. Hoje, quando a vejo, percebo que ela sempre tinha sido uma flor, e que durante toda a sua vida, nos brincou com seu perfume e com sua selvageria de jardins. Que ela brote sempre, em seus descompassos de natureza, que não se permita ser refém dos homens, mas imaculada em sua verdade de flor.


Silvia Teske
 – artista