Me controlei e esperei ele bater na porta. Na verdade, esperei que ele batesse duas vezes, três…Retirei rapidamente meu scarpin, desmanchei o coque, passei a mão, de leve pela minha boca, tentativa tola de retirar os rastros de batom.

encontro
arte: Sabrina Gevaerd

Não havia nenhuma flor em suas mãos, mas juro que senti o cheiro das rosas. Soletrávamos palavras juradas, hábito de bom comportamento, mas o silencio entre nós era ensurdecedor.  No entanto, os olhos, difíceis de conter, se lambuzavam e lamuriavam, mediam-se em paragens perigosas.

Não havia, tampouco, margaridas em sua lapela e a gravata estava sem nó. Pescoço com pomo de adão e a mostra, primeiros pêlos traiçoeiros a eriçar.

Tentei orquídeas, violetas desmaiadas nos bolsos da calça… busquei muito amores perfeitos, prensados sem jeito nas palmas das mãos.

O olho dele assim ardendo, relapso e tosco, sem a menor cerimônia de adeus. Segurei as pontas e nem sequer dei um suspiro de alerta. Permaneci quieta.

Cada passo dele, em meu chão de giz, era um convite atroz a que eu perdesse a compostura e ficasse nua. Havia um cheiro indissolúvel de escarlates petúnias e eu, mesmo assim, permaneci latente, endividada de desejos tardios.

Nem mesmo, quando ele, em atitude disparatada de manter-se fiel a si mesmo, depositou, não sem cerimônia, seu quepe de herói na mesinha de centro, eu esmoreci.  Tratei de ladeá-lo, feito anfitriã insípida. Adrenalina controlada e mentira ardendo, enfiada em gavetas com fundo falso.

Afinal, ele não trouxera flores…

Toda alquimia, resquício de tantas horas de sono interrompido, caia pelo ralo feito sabão. Achei que tudo terminaria ali, sem minha promessa devassa, sem o cruel escrúpulo dele. Parei, indecisa no meio da sala e finalmente olhei pra ele com o corpo todo.

O sofá gemeu quando ele sentou-se, ereto, dono do mundo e… da minha vida.

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Sílvia Teske