O filme de 1985 não poderia começar melhor. A trilha dos créditos iniciais é a música que se tornou o maior sucesso da banda escocesa Simple Minds, embora composta especialmente para o filme pelo produtor musical Keith Forsey –  antes recusada por Billy Idol e, dizem, por Bryan Ferry. Don’t You (Forget About Me). Em seguida, vem uma citação que foi sugestão da atriz Ally Sheedy, que interpreta a esquisitona Allison.

“…and these children that you spit on as they try to change their worlds are immune to your consultations. They’re quite aware of what they’re going through…”  – Ou seja, de acordo com a versão dublada do filme… “e essas crianças nas quais vocês cospem enquanto tentam mudar seus mundos são imunes aos seus conselhos. Elas sabem muito bem por aquilo que passam”. A citação é da música Changes, de David Bowie. Perfeito.

O filme de John Hughes, que você, com sorte e idade correta, deve ter visto em alguma Sessão da Tarde da vida, parece uma peça de teatro, embora tenha sido escrita muito rapidamente pelo diretor já para o cinema. Ela mostra cinco estudantes estão de castigo na escola, em um sábado. Aquelas coisas que, a se acreditar nos filmes e séries, são comuns nos Estados Unidos. Cada um deles representa um tipinho típico do ensino médio: a princesa, o atleta, o nerd… e, do outro lado, a esquisita e o delinquente.

Deixados sozinhos o dia todo pelo professor responsável pelo castigo, com a tarefa de escrever um texto refletindo sobre o que fizeram de errado, eles começam a se relacionar. É aí que entram os conflitos, as diferenças e, no final das contas, as semelhanças entre eles, apesar das origens e dos ambientes opostos em que vivem. Todos, cada um do seu jeito, sofrem pressões e têm dificuldade em se encaixar no mundo. E a consciência de que não podem escapar dele.

É um clássico dos filmes teen dos anos 80, ainda mais clássico por ser assinado por Hughes (também roteirista e/ou diretor de outros marcos desse gênero, como Gatinhas e Gatões, A Garota de Rosa-Shocking, Curtindo a Vida Adoidado, Alguém Muito Especial… E, ainda por luxo, reúne em seu elenco a musa Molly Ringward, Ally Sheedy, Emilio Estevez (o irmão mais sensato de Charlie Sheen), Judd Nelson e Anthony Michael Hall. Todos figurinhas carimbadíssimas daquela cena (de cinema).

Ok, e daí? Daí que uns dias atrás a própria princesinha Claire, a garota de rosa choque, the one and only Molly Ringward, escreveu um longo texto para a The New Yorker questionando (resisti e consegui não usar o termo modinha problematizando) o Clube dos Cinco. Ela diz que, ao rever o filme junto com sua filha de 10 anos, alguns anos atrás, começou a se sentir desconfortável com algumas cenas, especialmente as cenas em que a tensão com Bender (o bad boy) vai ficando mais presente.

À distância, ela percebe o machismo, os ataques sexistas e o profundo incômodo na cena em que Bender se esconde embaixo da carteira escolar onde ela está, olha por baixo da sua saia e, embora não seja mostrado diretamente, toca a personagem de modo inapropriado. A propósito, a cena foi feita com uma dublê adulta.

Ela analisa o background do autor/diretor e conta como insistiu para que uma outra cena fosse cortada do filme, a que mostraria uma professora de educação física nadando nua na piscina da escola, enquanto era observada pelo professor Vernon. Ela fala sobre o humor ao estilo Porky’s, feito por e para homens, que dominava a cena das comédias adolescentes antes dos filmes de Hughes e sobre o quanto, apesar de tudo, ele não conseguiu fugir totalmente dos clichês machistas. E que o bullying pesado que Claire sofre de Bender não seria admissível hoje, no tempo do #MeToo.

Eu fiz três filmes com John Hughes; quando foram lançados, causaram impacto cultural suficiente para me colocar na capa da revista Time e fazer com que Hughes fosse considerado um gênio. Sua reputação crítica só cresceu desde a sua morte, em 2009, aos cinquenta e nove anos. Os filmes de Hughes continuam passando na televisão e até são estudados nas escolas. Ainda há tanta coisa que eu amo neles, mas ultimamente tenho sentido a necessidade de examinar o papel que esses filmes desempenharam em nossa vida cultural: de onde vieram e o que podem significar agora. Quando minha filha propôs assistir The Breakfast Club juntas, eu hesitei, sem saber como ela reagiria: se ela entenderia o filme ou se gostaria dele. Eu me preocupava que ela achasse alguns aspectos preocupantes, mas eu não previ que isso acabaria sendo mais problemático para mim.”

Será que essa análise à distância temporal se sustenta? Será que não é como analisar os livros de Monteiro Lobato a partir da visão atual do racismo? Será que não seria mais justo rever os filmes de Hughes sob o ponto de vista histórico, percebendo como o sexismo era visto e mostrado há mais de trinta anos – sendo que esses trinta anos foram de mudanças drásticas?

Será que culpabilizar as atitudes de Bender não é, também, jogar para baixo do tapete uma parte do problema, que é a falta de orientação dos meninos e adolescentes, para que tenham uma relação não violenta com as mulheres? Sem falar na violência que eles também sofriam e sofrem?

Pior ainda… que tipo de filme teríamos, se só fizesse parte da história o que é certo e recomendável? Que tipo de reflexão faríamos, se só aceitássemos o que já vem resolvido e filtrado pelas regras (necessárias) de respeito e igualdade? Que lentes seriam essas que colocaríamos à frente dos nossos olhos e dos olhos das novas gerações, que, na vida real, continuam tendo que lidar com o pior do ser humano?

Só sei que, no final do filme, Claire e Bender, embora sejam de mundos diferentes, conseguem uma conexão, uma compreensão mútua. Que talvez não tenha se sustentado… afinal, a possível continuação do filme, seu “dez anos depois”, nunca foi realizada. E, esperamos, nunca seja, já que, com a morte de John Hughes, teríamos mais um produtinho gerado diretamente pela indústria. Essa conexão improvável, de repente, é muito mais representativa da esperança no futuro do que cenas politicamente corretas, que louvassem, artificialmente, atitudes que correspondam à cartilha atual que gostaríamos, é claro, de ver seguida. Ou não?


Claudia Bia
– jornalista e fã de carteirinha do Clube dos Cinco