Encostando-se nos oitenta, ombro contra parede, olhar por cima dos óculos e um suspiro que eu reconheceria tranquilamente entre milhares de pinguins. Já viu como é? Familiares pinguins sabem exatamente o som do pai, mãe ou filhotes, naquele turbilhão que é possível assistir no National Geographic.

Meu pai, um senhor frágil com netos, quieto, misterioso na emoção, prático no discurso, lanhado de vida dura, insiste no trabalho até agorinha, na preocupação com sua missão. Já viu como é? Esses humanos que não largam a função, a paixão do crer fazer o que tem que ser feito em nome daquilo que aprendeu a respeitar como verdade e correto. Disciplina é algo intrigante no meu pai.

Encostando-se nos oitenta ele aceita meu micro-ondas, fabricado em 2010, tecnologia tal para um homem do início do século passado. Desafia-o, enfrenta-o.

– Pai, achas que tem jeito? Não esquenta mais… tu mexes nesses?

Bilhetinho feito de folha rasgada, meu nome com durex no topo da máquina e as mãos dele, com dedos em bateria, musicando no balcão de madeira ecoando que tudo estava sob controle.

– Si, si. E o baixinho, onde tá?

– Isaac, tá na natação.

– Amanhã almoçam lá em casa?

– Sem falta, pai.

Despedi-me dele e dos inúmeros televisores arquitetando labirintos na oficina lendária de Venceslau Beber. Fiz “a ré” desviando da Belina 1980, que nasceu comigo e considerei que em alguns dias ele daria o diagnóstico.

Horinhas mais tarde, deste mesmo dia, a Belina 1980 buzina e meus cachorros fazem festa. Encostando-se nos oitenta, meu pai me devolve a praticidade da comida quente rápida, orgulhoso por me orgulhar, faceiro por me impressionar, satisfeito por me demonstrar que fez questão de priorizar a filha que talvez achasse que alguém que nem celular quer, ou sabe lidar, abriria um micro-ondas dos moderninhos e faria miséria. Era eu toda boba, era ele todo bobo, um pelo outro.

 

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Karline Bebber Branco – professora, mãe… e filha!