Legado do ódio

Dia 12 de junho, domingo, 50 pessoas foram assassinadas em Orlando, Florida. As pessoas mortas na noite passada tinha um direito inequívoco de liberdade e segurança.

50 pessoas morreram porque estavam em uma boate gay. 50 pessoas morreram por causa do ódio. Por causa de um discurso homofóbico e transfóbico perpetuado todos os dias. Para cada agressão sofrida na rua, em casa, para cada pessoa enviada à força para uma suposta ‘cura gay’ – como se amar alguém do mesmo sexo fosse uma doença. Como se amar fosse uma doença – cada família que tem vergonha de seus iguais por sua orientação de gênero ou sexual. Para cada um desses atos, um tiro.

Usar a violência para matar indiscriminadamente dezenas de seres humanos e privá-los dos seus direitos é um ato político. Amar é um ato político.

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Sabrina Gevaerd – artista

 

 
 
 

#SomosHumanos

Esta semana somos Orlando, como ano passado fomos Paris. Porque somos humanos e vivemos no mesmo mundo violento, dividido, entulhado de fronteiras e incompreensão teimosa.

Mas, se nos identificamos com as vítimas, também temos muito dos agressores. Cada vez que chamamos alguém de periguete, de viadinho, de mal amada… cada vez que pensamos (ah, sim, porque não precisamos nem verbalizar para deixar bem clara nossa opinião, não é?) que uma pessoa devia “se colocar no devido lugar” por sua etnia, escolaridade ou saldo bancário… é o nosso dedo que aperta o gatilho.

E não é fácil não ser assassino em pensamento. Temos que nos desvestir de uma cultura que incentiva o ódio e o medo da diversidade. Seja ela qual for. É triste pensar que a coisa começa em casa, com as cores para menina e cores para menino, com as sutis diferenças nas tarefas, com a facilidade em aceitar entrada social e entrada de serviço, quando elas existem. É mais triste pensar na quantidade de religiões que esquecem que o amor, a inclusão e a compreensão do outro deveriam ser exercícios permanentes que nos aproximam dos deuses, quaisquer que eles sejam. Também entristece pensar que a escola alimenta mais a competição do que a colaboração e que o combate ao bullying, por exemplo, é coisa tão recente – e tão superficial.

Este é um tempo de sinceridades superficiais. Temos uma “voz social” e, muitas vezes, não sabemos usá-la. Essa novidade histórica deixa clara a nossa capacidade de odiar. Mesmo em um momento tão trágico quanto o do último domingo, em Orlando, vem acompanhado de comentários do tipo “bem feito, gays merecem morrer, mesmo”. Desconfio que, se houvesse a chance de perguntar a razão desse mérito, o comentarista não teria argumentos além de um esfarrapado “está na Bíblia” ou “porque é contra a natureza”. E o ódio, será natural? Ou, indo mais além, o que, além do medo pesado, irracional, justifica a concordância com o extermínio do que é diferente da gente?

Hoje, a gente se sente Orlando. Sendo ou não sendo parte da comunidade LGBT. Assim como podemos ser sensíveis aos crimes ligados ao racismo ou à cultura do estupro, mesmo que nossa pele ou nosso gênero não sofram preconceito. Empatia. Humildade para não se achar no direito – superior – de definir o certo e o errado. Amor básico.

Somos Orlando… mas é bom que também nos sintamos brasileiros. Porque nossa violência é imensa em sua rotina diária, pouco visível, transformada em “fatos da vida”. Mulheres, gays, travestis, transgênero, negros, índios, os “diferentes” – entre muitas aspas! – estão sempre na mira de assassinos e agressores. Os nossos números da violência são maiores do que os do massacre do domingo. Por que são menos chocantes?

Antes do ponto final, fica mais uma coisa aí para a sua reflexão: nas horas em que as notícias nos atingem e nos enchem de perplexidade, é fundamental lembrar de não cair na tentação de amplificar a voz do ódio. Aqueles pastores/políticos/assemelhados experts no marketing da polêmica esperam que você, com uma indignação mais do que justa, compartilhe seus links. Quanto menos visibilidade eles tiverem, menos espaço para o ódio. Melhor que eles esbravejem sozinhos.

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Claudia Bia – jornalista e ser humano