A vida acontece assim: a gente se distrai por uns segundos e tudo fica diferente. Ok, no caso os segundos foram meses, mais de ano. E a grande diferença, aparentemente, aconteceu apenas nos cabelos de uma cantora mais ou menos aposentada. Coisa pouca? De jeito nenhum. A cantora é muito mais do que uma cantora, é um ícone, um rosto (e um cabelo) que coloriu a música brasileira nos últimos mais de 40 anos. A ruiva Rita Lee, obrigatória na memória musical nacional desde os Mutantes (verdade seja dita, ali ela ainda era mais loira do que ruiva), desde os festivais da Record e depois, solo, passando por seu filtro pessoal várias nuances musicais que definiram as últimas décadas do século XX.

Bicho-grilo bem-humorada em Mamãe Natureza (no vídeo aí acima, em versão ao vivo de 74, super “bowie style”), representante da juventude que ansiava por uma vida diferente da dos pais em Ovelha Negra, estupidamente popular naquela enxurrada de hits na virada para os anos 80 – Doce Vampiro, Mania de Você, Banho de Espuma, Desculpe o Auê, uma explosão comprimida em pouco mais de 5 anos. Depois… tudo. Livros, rádio, a passagem maravilhosa e escatológica pelo Saia Justa do GNT, ativismo a favor dos animais, qualquer coisa que Rita Lee tenha tido vontade de fazer – além da música, sempre presente, ela fez.

Inclusive largar suas próprias características básicas. Parou de fazer shows. Deu um tempo no Twitter (sim, ela era uma das “celebridades a serem seguidas”, nos primeiros tempos bons do “microblog”). E deixou de ser ruiva. Ano passado, aos 67 anos, em uma entrevista para a revista Quem, ela foi sinceríssima: “às vezes passo em frente a um espelho e não me reconheço. Segundos depois, lembro que a ruiva era aquela que subia ao palco. A grisalha é esta, que agora vive tranquila comigo. Adorei ter sido ruiva, mas encheu o saco e, como fiel mutante, eu mudei e me desviciei do vermelho. White is beautiful.”  Com certeza. Toda cor é beautiful, desde que seja aquela que queremos ter na cabeça. Ou na vida.

Mesmo que os cabelos sem tinta da “madrinha do rock brasileiro” tragam uma mensagem de liberdade, eles também sinalizam que o tempo, esse invencível, não perdoa nem os símbolos de juventude. É claro que a outra alternativa, morrer cedo para virar uma memória sempre jovem, não é a que a maioria das pessoas escolheria. Rita Lee não pertence ao Clube dos 27, ainda bem.

Seria leviano dizer que morrer é fácil, mas sobreviver, encarar a necessidade de mudança de fases e lidar com a reinvenção, com novos limites e novas sabedorias, parece mais difícil – e mais interessante – do que virar uma estampa de camiseta.

Aposentadoria, no caso da senhora Rita Lee Jones, é um conceito maleável. Feliz de quem, como ela, pode deixar de fazer o que deixou de ser prazeroso. Se os shows, como as tintas capilares, encheram o saco, ela foi para casa pintar quadros e cuidar das plantas. Mas a inquietude não é, embora seja vista assim nos clichês que nos cercam, uma exclusividade da juventude.

Deve ser por isso, por ser inquieta, que ela vai exercitar seu lado atriz vivendo um alien na série Manual Para se Defender de Aliens, Ninjas e Zumbis que está sendo produzida pelo Warner Channel. Afinal, por que não?
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Vou sentir saudade dos cabelos ruivos da Rita Lee. É natural. Somos, por natureza, resistentes a mudanças que mexam com nossa memória emocional ou que nos lembrem que o tempo passa. Só que não tem jeito. Ele passa. E é beautiful.

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Claudia Bia – jornalista e também ex ruiva de farmácia