Há duas semanas, critiquei a campanha para a liberação da maconha, no contexto da desconstrução de valores das últimas décadas. Isso ainda rendeu o texto da semana passada, sobre vício e perda da liberdade.
Juro que ia mudar de assunto, mas, por acaso, ouvi novamente, depois de muito tempo, a música “O Careta”, de Roberto Carlos, que fez grande sucesso no final da década de 1980. Como sou um crítico ácido do processo de imbecilização da música popular e do papel deseducativo das letras que “fazem a cabeça da galera”, não posso deixar de prestar as honras a essa obra de arte escondida no fundo do baú.
A arte nos toca pela sensibilidade, molda nossos sentimentos e nos predispõe a aceitar racionalmente o que nos sugere ao coração. Dessa forma, ela pode ser fomentadora da virtude ou do vício, pode orientar ou desorientar. As sugestões das peças musicais, novelas, filmes ou romances literários têm mais eficácia que os conteúdos aprendidos pelos meios formais de educação.
Então, eu posso me estrebuchar para escrever algo coerente contra o vício, mas, por melhor que saia o texto, jamais terá uma fração significativa da força que uma música de sucesso tem.
“O Careta” consegue, com uma poesia magnificamente simples e com uma musicalidade muito bem elaborada, dizer mais sobre vícios e drogas que qualquer tratado de filosofia ou livro de orientação médica. Vejamos apenas a seguinte estrofe: “Às vezes quem sabe de tudo tem mais pra saber; que a porta tão larga na entrada se estreita depois. E quando lá dentro se apaga a luz da estrada perdida, é duro esmurrar as paredes buscando a saída, de volta pra vida.” É simplesmente genial! Em alguns versos ele explica, com muita clareza, a ideia que comentei na semana passada – inspirada em Gilbert Keith Chesterton – de que qualquer escolha limita a liberdade para os passos seguintes.
Nossas crianças e jovens são bombardeados, todos os dias, por estímulos para que experimentem de tudo. Ademais, os que já fizeram suas escolhas erradas fingem superioridade, tentam mostrar que são “os caras” e arrastar mais gente para o erro. Dessa forma, logram justificar-se, transformando o vício em normalidade.
Mas se você tem resistido bravamente ao álcool, às drogas e às experiências sexuais sem a necessária maturidade e compromisso; ou ainda, se vc já esteve nesses becos e conseguiu sair, então, meus parabéns! Vc “curte o grande barato de ser um careta” e está dando de mil a zero nos “caras”. Ouça a música e mantenha-se firme. O futuro é todo seu!