O último final de semana não foi só agitado em termos políticos. Antes, no sábado, houve uma paixão coletiva por uma miss. Você não viu? Foi a noite da escolha da Miss Brasil, que de evento brega, virou, nos últimos anos, prazer compartilhado pela segunda tela – ou seja, visto e comentado em tempo real nas redes sociais. Especialmente no Twitter – mas também no Instagram, a experiência de ver TV com um olho e prestar atenção nos comentários e memes instantâneos virou um fenômeno contemporâneo. Super hype, quem diria. Para quem acompanhava o concurso em preto e branco, com direito aos maiôs Catalina, saber que competição de miss virou programa moderninho é quase engraçado.
Foi assim que “a internet” se apaixonou pela Miss Paraná, Raissa Santana. Negra, nascida na Bahia e moradora de Umuarama, no Paraná, desde criança, Raissa foi a vencedora da noite – um caso raro de concordância entre jurados e torcedores. Filha de empregada doméstica, estudante de marketing, a moça teve a sorte de escapar da sina de ser eternamente uma “primeira princesa” e nunca uma rainha.
Será que existe alguém que não enxergue o preconceito em todo esse quadro? Raissa é a segunda Miss Brasil negra desde o advento do concurso, a primeira em 30 anos. Assim como toda a questão das premiações do cinema norte-americano e seus poucos indicados negros, latinos ou asiáticos, a proporção entre participantes e vencedoras do Miss Brasil não combina com a composição étnica do nosso país. Isso para ficar no básico.
Então, comemoramos? Será o caso de festejar a vitória de Raissa, que não precisou de cotas para ser eleita a brasileira mais bonita de 2016? É aí que a coisa se complica. Por um lado, claro que festejamos. Representante de uma parcela tão grande e tão desvalorizada da população, é bom mesmo que a beleza de Raissa tenha sido reconhecida, sem o entrave preconceituoso da cor da pele ou dos cabelos nem um pouco lisos. Não dá para não sentir o coração quentinho ao ler o que a atriz Taís Araújo publicou no seu perfil no Instagram, como legenda da imagem aí acima: “essa foto representa bem a diversidade do Brasil de fato. Pela primeira vez a gente tem um equilíbrio de representatividade entre as finalistas do maior concurso de beleza do país. Parabéns Raissa pela sua conquista! Eu, como mulher negra e mãe de uma menina negra, fico muito feliz.”
As meninas, que até hoje são tão pouco representadas até em suas bonecas – cada Barbie negra ou latina lançada ainda rende notícias quase surpresas com a “novidade”, tem mesmo todos os motivos para o exercício da alegria da identificação e da ampliação dos padrões de beleza aceitos.
Mas… por que comemorar qualquer padrão de beleza? Por que manter, década após década, a instituição dos concursos de beleza femininos, como se a beleza fosse o mais desejável atributo nas mulheres? As que não correspondem aos rígidos padrões que as competições reforçam e eternizam, o que elas comemoram?
Toda competição reduz um pouco seus participantes. Dividir o mundo entre vencedores e perdedores, com todas as emoções, ações e reações que envolvem o ato de competir, gera limitações. Quem compete, dificilmente soma esforços. Muito pelo contrário. Quando os critérios são totalmente alheios ao mérito, tudo fica mais deprimente. Afinal, falando teoricamente, a simetria, mãe da beleza, não é um mérito – mesmo quando é fruto de uma decisão estética que envolva sacrifícios ou intervenções cirúrgicas. Um mundo em que a necessidade de competir não fizesse mais parte da nossa natureza seria um mundo melhor. Menos emocionante, mas melhor.
Uma ironia: a baiana Miss Paraná ganhou a faixa e a coroa de Miss Brasil no sábado… ou seja, ela teve sua grande noite no mesmo dia em que aconteceu a consulta popular informal sobre a separação dos estados sulistas. Talvez ela seja um bom argumento a favor da manutenção da nossa mistura brasileira, sem fronteiras adicionais…
Claudia Bia – jornalista