Insignificantes geram significados atropelados. Quase sem saber, acontece mesuras e contratos e lágrimas abissais não chegam a lubrificar os olhos. Esses, permanecem na secura de certezas indefesas, serpenteando traduções escatológicas.
Rastejantes e libidinosas intimidades ultrapassam a liquidez de poderes que não servem mais.
Aquele corpo, que outrora guardava representatividades congeladas, passa a ter um movimento aquiescente. Retumba vivo, veste asas de purpurina, na ilusão suprema angelical.
No entanto, às seis e vinte da tarde, o asfalto está vazio. Limpo, higiênico e apagado, o lastro do sangue e dor é engolido pela incandescência de uma esfinge quiçá fênix, que renasce das cinzas, e continua a levar nas costas sua carga indigesta.
Eu não gostaria de ser uma estátua.
Altiva em sua perenidade distraída, e falsa.
Nem estar, aparentemente alforriada às aparências, e ao mesmo tempo, contida em orfandade programada.
Prefiro ser uma escultura móvel, latente em sua quase presença. Talvez a própria tangência das imagens produza ineficaz literatura, e o timbre malfadado de especulações programa interpretações contentes por serem reais.
Não quero essa beleza premeditada.
O bom mesmo é ser feia.
Antagonizar para não prever um happy end. No entanto, permitir a discordância com o ideal, para que eu e o outro irrompamos em marcas incandescentes.
Sem idealidade, a feia se harmoniza com o pecado original. Dela, não se espera muita coisa. Sendo incoerente perturba um sistema de regras supraterrestres. Dela, podem surgir iluminuras, inconcebíveis fraquezas, permissões, aliterações.
A feia sugere a bela, mas não é, pode ser.
Não está condenada a beleza. Livre, pode encarnar o dilúvio dos polos, não sendo soberana. Assim, cruza fronteiras e não se conforma a um limite padronizado. Impossibilita a nervura aquosa das ditaduras. Convence e converge para regiões inexploradas.
Como não se vê aceita, no comodismo dos padrões, a feia não corre o risco de perder sua autonomia.
Obsequiosa e inerente, a feia é livre.
Aposta nos informes, não é refém do espelho. Em sua sacralidade obscura, traduz apenas o que ela pode e quer ser.
Prefiro ser feia, porque gosto mais das lacunas.
Gosto da falta de uma higienização programada. Sou seduzida pela composição descontínua que transfigura o sinistro.
Olho para os pés, unhas encravadas revelam caminhos descalços, e talvez incoerentes. Há neles o prenuncio do êxtase, tudo está em suspensão.
Na feia há imprevisibilidade, e nessa angústia de indefinição, conforma-se a pausa estética e, na surdina, antecipa o gozo.
Silvia Teske – artista