Mês de maio entrando e um filme estranho repassa na minha mente. Foi no ano passado, dia das mães, 8 de maio, que a minha sentiu a dor que a levaria para longe de nós em um mês.

Quando criança fiz uma maçã de papel guiada pela professora do jardim de infância e dançamos em homenagem a este dia. Outra vez encenamos um bolo, cada aluno era um ingrediente, e eu estava vestida de baunilha, para lhe arrancar aplausos emocionados. Como negar as lágrimas diante do filho pequeno fazendo gestos descoordenados num palco?

No ano passado eu trouxe presentes, ela estava no sofá, não deu muita atenção, agradeceu mas não quis ver com detalhes. Era a dor.

A dor dela passou a ser minha. E aumentou a cada dia, por um mês.

Desde então, diariamente, em algum momento, lembro dela. Da voz que cantava enquanto passava roupa, das mãos cuidadosas arrumando as orelhas de gato em cima da mesa, da textura do cabelo, do contorno das unhas que volta e meia eu arrumava e pintava. Sempre tem essa hora do dia. Passando o café, escovando os dentes ou fazendo nada, a lembrança vem. E assim que vem eu penso: Tá aí! O momento de hoje!

Eu não quis ter filhos e uma vez ela me disse que no meu lugar também não teria. Ironia pura, de alguém que tinha na maternidade sua maior vocação. Fico pensando o que ela seria se não tivesse sido mãe, no que poria tanta dedicação. No hospital uma enfermeira perguntou: a senhora também é avó? Ela me olhou, sorriu e disse: Não, e olha, se fosse eu hoje em dia também não teria filho. Se bem que agora tenho ela aqui, cuidando de mim.

Um mês de papeis invertidos. Passei a cuidar, dar banho, velar o sono. E enfim veio a despedida. Era eu que estava lá com ela. Só nós duas, uma testemunhando o nascer da outra para uma nova vida, como um dia já estivemos, num quarto de hospital.

 

Lieza Neves – atriz, escritora, produtora cultural…