Fico chocada com “projeto verão”, “dia do lixo” ou “corta… corta e corta” desta época do ano. Pessoas perdendo a razão, massacradas entre o querer e o “não poder”, carregando as mais loucas marmitas nas mãos, um buraco no estômago e o peso do desejo na alma, justificado por um suposto prêmio: um corpo sarado.

As sugestões, que leio nesta época, me convenceram a lhes contar um pouco sobre o que aprendi ao longo de 15 anos de profissão, o que compreendi com uma infância e adolescência de obesidade, o que estudo e analiso diariamente sobre a nutrição que nos é vendida e como vejo o nosso comportamento alimentar resultante da atual e múltipla oferta de conhecimentos e produtos.

Aprendi que calorias não fazem sentido, pois comida de verdade tem absorção totalmente diferente da absorção de alimentos industrializados. E que industrializados foram estudados milimetricamente para que uma única mordida nos envolva de satisfação até a alma. É assim que funciona! Não temos que sentir culpa por isso, a ciência é culpada.

Estudei e analisei que o peso da culpa engorda só pelo fato do “não poder”. Compreendi que a fome e a saciedade são aliadas e não inimigas e podem nos ensinar quase tudo sobre nossa alimentação, se aprendermos a ouvi-las, e também que o cérebro não distingue fome de sede e que por isso muitas vezes comemos quando, na verdade, precisamos de água.

Aprendi que a força de vontade é limitada e que por isso não devemos contar somente com ela para um emagrecimento sustentável e aprendi que bom hábito é fazer sempre o certo, porém compreendi que é preciso distinguir o certo dentre tantas visões diferentes sobre alimentação, ou pelo menos encontrar a visão que mais se encaixa nas nossas vidas – e para isso uso sempre uma pergunta: conseguirei seguir por toda a vida este método? Se a resposta for não, certamente não vai durar.

Analisei que antes de ouvir o que vem de fora, precisamos ouvir o que vem de dentro, para poder entender e escolher o que realmente vamos permitir para nossas vidas, e que na dúvida sobre como devemos comer, agir como nossos avós agiriam tem muito mais chance de acerto.

Aprendi que comida é o que está no pacote, na feira, ou no Himalaia, mas compreendi que o mais importante é o equilíbrio entre o gostoso, o saudável e o que nos faz feliz; ah! E que alimentos do Himalaia não são indispensáveis.

Compreendi que saudável demais também é problema. E que frutas e verduras não são sinônimo de dieta… e,  sim, podem ser preparadas com muita criatividade, não apenas cozidas no vapor.

Estudei e analisei que manteiga e chocolate fazem bem para o corpo e para a alma, mas que a versão atual não passa de um engodo feito de gordura trans e açúcar com sabor artificial chocolate.

Compreendi que a indústria facilitou muito as nossas vidas com refeições rápidas, que também podem nos aprisionar e adoecer por essa facilidade toda.

Estudei e analisei que quem regula a fome, não somos nós, mas nosso cérebro e, por essa razão, dietas restritivas engordam, pois o controle está além da nossa “racional jurisdição”.

 

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Aprendi que variedade é a coisa mais importante para garantir que nosso organismo receba todos os nutrientes necessários e compreendi que o emagrecimento não deve ser o foco principal, mas uma consequência de uma rotina equilibrada e feliz, pois comer é um dos grandes prazeres da vida e isso não pode ser ignorado.

Estudei que crianças têm o centro de saciedade apurado desde o nascimento e nós os estragamos, forçando-os a comer além do que precisam e oferecendo beliscos a toda hora e compreendi que crianças são seletivas porque não oferecemos alimentos variados, e não o contrário como pensamos, que não oferecemos alimentos variados porque são seletivas.

Analisei que superestimamos a necessidade alimentar dos nossos filhos e que a quantidade adequada para eles é a quantidade que eles comem e não qualquer quantidade recomendada. Compreendi que adultos também não podem receber regras de volume alimentar, e que é bem difícil fazê-los entender isso!

Estudei que comer direito é criar um ambiente alimentar equilibrado e nos permitir comer o tamanho da nossa fome e que comer o tamanho da nossa fome, mesmo em festas, não engorda.

Analisei que cozinhar nos liberta, que coxinha fit pode ser, surpreendentemente, saborosa e que sede se mata com água, mas que sentir prazer em tomar um refrigerante não é motivo para sentir culpa.

Compreendi que férias são para serem vividas e não para serem comidas, que receitas de família não engordam e que comer em família, diariamente, faz as pessoas comerem menos, melhor, mais devagar e faz até adolescentes terem menos problemas com drogas, apenas por comerem juntos dos pais diariamente.

Analisei que é possível comer de tudo e ver todos os alimentos que foram rotulados, como incompatíveis, convivendo na nossa rotina: pacotinhos, frutas, verduras, lasanha, lanches e pizza, fit, low carb ou seja lá o que for. É só equilibrar tudo com a linda trilha sonora da vida. Foi aí que compreendi que comer saudável é comer chocolate na terça, quando dá vontade, mas que sábado pode ter salada de frutas e que churrasco e cerveja também combinam com salada.

Estudei que a falta de tempo é apenas uma questão de prioridade e compreendi que o comportamento alimentar deve ser aprimorado o ano inteiro, respeitando nossa fome, nossa cultura, nossas emoções, convicções e nossa saúde, tudo isso junto em pequenos e significativos passos. Há muita informação, muitas necessidades, muitas opiniões e dançamos em meio a tudo isso.

Compreendi que minha missão é fazer cada um refletir sobre diversas perspectivas alimentares em busca das próprias regras e metas e que não concordar comigo também pode ser produtivo e nos fazer aprender juntos ainda mais. Compreendi que não posso dizer o quanto e o quê as pessoas devem comer, mas que posso ajudá-las a encontrar a própria libertação e consciência alimentar.

Vejo que meu sentimento é de pesar profundo diante de um mundo onde o jogo das intenções obscuras acontece, onde um se aproveita do outro e enriquece vendendo a ilusão do momento. Por sua vez o cliente supostamente enganado, tocando a viola da cigarra, cantando, passa um verão brilhante, com a ilusão de ser eterno e pensando ter sido esperto. O verão é maravilhoso, mas como todo ano ele termina e como a formiga coerente, a cigarra esperta, também terá de enfrentar o inevitável inverno da vida de novo, pois a história não termina na quarta-feira de cinzas. Os resultados podem ser bons ou maus e cada um terá que lidar com as consequências da escolha entre o projeto de saúde para a vida ou o projeto verão que mais uma vez logo ali acaba.

 

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Janaina Kühn Barni – Nutricionista – Educação Alimentar infantil e Rotina Familiar

 

 

Fotos: @yanalya – freepik.com