Os números do último ENEM, especialmente na prova de redação, demonstram, mais uma vez, a franca decadência do ensino da língua portuguesa no Brasil. Foram pouco mais de seis milhões de inscritos, dos quais 529 mil zeraram na redação e apenas 250 tiraram nota máxima. A disparidade entre o zero e o dez é absurda, considerando-se que, na casa da nota nove, ficaram pouco mais de 35 mil. É demasiado pouco para um exame que acontece ao fim do ensino médio, quando o estudante já passou pelo menos onze anos na escola. Saber desenvolver um tema em vinte ou trinta linhas, com alguma coerência e correção ortográfica é o mínimo que se pode exigir depois de tantos anos de empenho. Se o resultado é tão pífio, então algo de muito errado acontece na Educação. O problema é que nós estamos enjoados de saber disso, mas não há o menor sinal de mudança no horizonte, além dos discursos demagógicos que um marqueteiro prepara para a presidente ler vez ou outra. Nós precisamos discutir com seriedade essa incapacidade da escola brasileira de ensinar, em onze anos, o que há décadas atrás se aprendia em quatro ou cinco. Mas isso só será possível quando os educadores se dispuserem a abdicar de autores e teorias que têm sido cantadas em prosa e verso, mas que se mostram, a cada nova oportunidade, vazias e ineficazes.
Para se tirar zero na redação do ENEM, segundo os critérios divulgados, é necessário fugir totalmente do tema, não conseguir articular uma argumentação, escrever até sete linhas, fazer desenhos ou qualquer outra idiotice, ou ainda desrespeitar os direitos humanos. Como alguém que passou onze anos na escola poderia, a não ser por deliberada estupidez, cometer um desses erros? Por que o estudante brasileiro não consegue argumentar com base em uma ideia?
A proposta de reforma da língua portuguesa, do Prof. Ernani Pimentel, que comentei há duas semanas, tem como uma de suas justificativas que menos tempo gasto decorando regras será útil para desenvolver a capacidade de argumentação. Há anos ouço a mesma conversa: o importante são as ideias, não o decoreba das regras. Em nome da liberdade para expressar-se, o ensino da língua ficou mais tolerante, mas o ENEM, como todo o resto, só nos mostra que a capacidade de argumentar tem ficado tão ruim quanto o conhecimento da gramática. Quem entre nós escreve melhor senão os que passamos pelo método tradicional de ensino, com todos os decorebas e exercícios intermináveis? Quem sabe melhor matemática senão quem decorou a tabuada o mais cedo possível? A Educação só será salva com um choque de seriedade, disciplina e uma severa desintoxicação ideológica.