– É. Quase todo mundo faz isso. Claro que se tu tens um namorado é pra não ficar nisso, né?
– Então dá pra manter uma espécie de relação, assim, do tipo afetiva. Vocês ficam quando dá certo de se verem, com umas três, quatro pessoas?
– Não ao mesmo tempo!! Tipo, tem gente que até. Tipo, não sempre ficar, mas ficar falando com a intenção de rolar alguma coisa. Umas, sei lá. Oito, dez.
– Nem sempre o primeiro contato é pessoal?
– Naaa. Às vezes tu já se interessa por alguém que tu viu a foto. Alguém também que fala da pessoa, daí tu procuras. Ah, tipo isso, entende?
– As pessoas com quem tu te relacionas sabem que tu manténs todas as conversas e os encontros?
– Tem nada a ver. Cada um é um. Não tenho nada com ninguém. Só se tu começas a gostar mais de alguém. Daí tu vê… vai vendo. Vai cortando os outros. Ir curtindo todo mundo sem se enrolar com ninguém, tu não tá mentindo.
O “quase todo mundo” é uma generalização sobre o universo deste adolescente, nascido no século XXI, que encena para mim as relações possíveis nos mais diversos níveis de intimidade e com um número de parceiros bem mais amplo do que muitos de nós está acostumado ouvir.
São os novos tempos? Oxi! Os novos tempos andam nos dando a volta a cada década, ou menos. O perigo em rotular as transformações em “novos tempos” é nos excluir deles. Ou seja, nós, nascidos no século passado, há 30, 40 e lá vai anos, fazemos parte destes “tempos” e temos o direito de compreendê-los e o dever de compreendê-los, compreende?
A coisa funciona mais ou menos assim: existem muitas redes sociais e na maioria delas conhecer e fuçar o outro é o objetivo “mór”. Na balada tu tropeças em alguém, falam umas besteiras, não rola nada, mas o nome tu perguntas, ou alguém que conhece alguém que conhece a tal pessoa te fala o nome. Querendo muito, na mesma noite ou minutinhos depois, tu encontras o alvo em alguma destas redes e o adiciona. Bingo! Mais um portal é aberto e a quantidade de portais é sem limites.
Com o celular, sabem né, aquela coisica que levamos até para o banheiro? Nele tu inicias as conversas. Se for cedo para isso, tu curtes fotos. Caso curtas as mais antigas é sinal que estais interessado, pois entrastes no perfil da dita cuja, ou do dito cujo. Dali pode nascer esperanças, principalmente se as curtidas forem em fotitos mais pessoais! São múltiplos códigos, muuuitas formas de se fazer notar e o mais surpreendente é a naturalidade em expandir esses “starts” com três, cinco, dez pessoas.
Além disso tu podes mandar recados aleatórios para uma galera! Postas uma foto de pernas “proar” e na legenda: sem nada pra fazer… segundos depois, VVRRRR!! Aparece gente te convidando pra ficar “sem fazer nada” juntos. Ah, existem as redes sociais que são exclusivamente voltadas para encontros. Contudo, meu foco aqui são os encontros do nada e do tudo, uma paradinha meio “tenho essas opções aqui, vamos ver o que rola hoje” e também “tô afim de sair com ele ou ela, vamos ver se ele ou ela entende a mensagem de fumaça virtual”. Tudo isso por meio daquela coisinha que levamos pro banheiro, tudo isso acontecendo simultaneamente a cada 10 minutos na checagem do celular.
Numa geral, temo ser um pouco superficial aqui – embora minha percepção parta do convívio com adolescentes e dos meus casos com leituras educacionais. Piso em ovos ao desenhar estes tempos como extremamente sociais, uma derradeira de relações pré virtuais e desencadeadas em físicas.
Vivemos uma super socialização? As máximas lançadas por aí afirmando que estamos nos isolando, fazem sentido? Uma mega, hiper social que na sua intensidade causa isolamento, seria isso? Dezenas de encontros semanais superficiais ou o adolescente de hoje está nos provando que há interioridade no ficar com tantos sem amarras, sem promessas? Como seríamos – já me fiz essa pergunta em outro texto – caso vivêssemos nestes termos?
“- Tem nada a ver. Cada um é um. Não tenho nada com ninguém. Só se tu começas a gostar mais de alguém. Daí tu vê… vai vendo. Vai cortando os outros. Ir curtindo todo mundo sem se enrolar com ninguém, tu não tá mentindo.”
Não se trata de um discurso descompromissado e frio, percebem? Eles parecem ter seus valores alinhavados na palavra, saca? “Gostar mais” a expressão que traduziria aquele clique das paixões, o sinal de que escolhas terão de ser feitas para não magoar quem se quer mais tempo e mais perto. A paixão sim, atravessa os séculos, independente do advento do celular.
Lembro que na década de 90, para falar com alguém que conhecíamos por aí, ou tu acertavas o lugar que essa pessoa estaria numa data futura, ou o sobrenome com o nome dos pais era necessário para encontrar o número na lista telefônica. Detalhe: ligar para o alguém significava passar pela voz do pai ou da mãe que atenderia o telefone. Nossas redes não se comparam com as de hoje, eram infinitamente mais limitadas. Esta paridade não nos faz compreender e sim julgar o que acontece agora. Assim, penso que nos projetarmos e ouvirmos sobre o que está pegando, faz com que possamos enxergar os “porquês”.
E ó, valendo pra meninos e meninas. Tem nada a ver achar que um deve ter a rede mais conectada que outro. Viu? Amam mais ou experimentam mais? Arriscam mais ou vivem mais? Ah… os novos tempos, por toda história, assustam…
Professora Karline Beber Branco