Ruas sem água tratada e poços improvisados: como problemas no saneamento básico de Brusque afetam a vida dos moradores

Somado à ausência de tratamento de esgoto, cenário atual compromete a qualidade de vida da população

Ruas sem água tratada e poços improvisados: como problemas no saneamento básico de Brusque afetam a vida dos moradores

Somado à ausência de tratamento de esgoto, cenário atual compromete a qualidade de vida da população

Apesar do crescimento industrial e urbano de Brusque, ainda há ruas sem acesso à água tratada. Segundo o Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae), 20 dos mais de 30 bairros e localidades do município possuem ruas que precisam da instalação ou ampliação da rede de abastecimento.

A situação se agrava com a ausência de tratamento de esgoto, refletindo a falta de infraestrutura básica que compromete a saúde, o meio ambiente e a qualidade de vida.

Poços como alternativas

Embora toda a população de Brusque tenha algum tipo de abastecimento, ainda há moradores sem tubulação adequada em casa. Portanto, dependem de poços artesianos para ter acesso à água.

O poço artesiano é uma perfuração profunda que alcança um aquífero confinado. A pressão natural faz com que a água jorre sem necessidade de bombeamento, diferentemente dos poços convencionais.

Marcos Silva*, 63 anos, morador do bairro Azambuja, é um dos brusquenses nesta situação. Sem ligação à rede pública, ele utiliza exclusivamente a água de um poço artesiano em um terreno anexo à sua casa.

“Quando tomo essa água, percebo que é boa só pelo gosto. Recentemente pedi uma análise da qualidade, mas ainda não ficou pronta. Até agora, nunca passei mal ou fiquei doente”, conta.

Poço que Marcos utiliza atualmente | Foto: Otávio Timm/O Município

Questionado sobre a possibilidade de receber tubulação da prefeitura, Marcos diz que não tem interesse. Ele alega que o custo mensal da água e experiências negativas com o poder público influenciam sua decisão. “Moro sozinho e tenho problemas de saúde. Para mim, não compensa ter mais um boleto para pagar se eu já tenho água ‘boa’ para viver”.

Otávio Timm/O Município

Leandro Souza*, morador de outro bairro do município, improvisa uma tubulação a partir de uma rua vizinha para ter acesso à água tratada, mas mantém um poço artesanal de mais de 50 anos.

“A gente usava para beber, mas agora a família está se acostumando a comprar água de galão”, explica. Ele não lembra qual foi a última vez que a qualidade da água foi testada.

Sua rua deve receber rede de água em breve, graças a um acordo com a prefeitura. “A nossa nova tubulação deve reduzir alagamentos nas ruas mais baixas. É um exemplo de como o saneamento básico pode transformar e melhorar a vida de uma comunidade”, diz Leandro.

Silvia Lopes*, moradora de uma área baixa da mesma rua, já enfrentou várias enchentes e alagamentos. A situação só melhorou após um vizinho instalar tubulação por conta própria.

“Sem rede adequada, sofremos quando chove. Já precisei de tratamento médico por causa do estresse. Vivemos um sério problema sanitário: se não é pela falta de água tratada, é pela falha do sistema em conter os danos das chuvas”, afirma.

Otávio Timm/O Município

Além da ausência de rede, o desabastecimento frequente tem levado moradores de Brusque a investir em poços artesianos e semiartesianos. Os preços variam entre R$ 1,9 mil e R$ 7 mil.

O proprietário da Poço São Pedro, Fábio Roscinski, confirma o aumento da demanda. “O tipo de poço depende do terreno. Os bairros que mais me procuram são os localizados em áreas mais altas”, relata.

A principal diferença entre os modelos está na profundidade: os artesianos podem ultrapassar 100 metros, enquanto os semiartesianos ficam entre 15 e 60 metros e não atravessam a rocha resistente.

Opinião de quem estuda

Embora cada vez mais comuns, os poços artesianos nem sempre garantem água potável. Em Brusque e região, a Unifebe realiza, a pedido dos moradores, análises da qualidade da água de poços e nascentes.

“O morador agenda a coleta, e uma profissional da universidade vai até o local. Em até 15 dias, o resultado é entregue”, explica a coordenadora do curso de Engenharia Química, Rafaela Bohaczuk Venturelli Knop.

Em 2024, a universidade analisou 25 pontos em 13 bairros, e apenas nove tinham água própria para consumo. As amostras avaliam coliformes, E. coli (bactéria) e indicadores físico-químicos como pH, turbidez e metais. “Especialmente quando o poço está em área urbana ou próxima de atividades industriais, o risco de contaminação é maior”, alerta Rafaela.

Unifebe/Divulgação

A análise deve ser feita ao menos uma vez por ano, ou sempre que houver mudanças perceptíveis na água. “É fundamental contratar uma empresa especializada e legalizada. Em alguns casos, recomendamos uma nova análise após seis meses”, diz.

Rafaela também chama atenção para a perfuração desordenada de poços, que pode contaminar o lençol freático e desequilibrar ecossistemas. Além disso, esclarece que a universidade não realiza testes da água da rede pública.

“Nem toda a população tem acesso a análises, e muita gente consome água sem saber se ela é potável. O ideal seria que todos tivessem acesso à água tratada e monitorada”, conclui.

Ruas estão no radar do Samae

Questionado sobre o motivo pelo qual algumas ruas ainda não contam com o fornecimento adequado de água tratada, o Samae de Brusque informou que essas regiões já estão incluídas em um cronograma de atendimento previsto para o médio e longo prazo.

Segundo a autarquia, os esforços atuais estão concentrados em ações estruturantes, como a ampliação das adutoras, o aumento da capacidade de tratamento da Estação de Tratamento de Água (ETA) e a expansão dos sistemas de reservação.

“Essas melhorias são fundamentais para garantir maior segurança hídrica, regularidade no abastecimento e atender à crescente demanda da população”, destaca o diretor-geral do Samae, Ruan Carlos Reis.

Para os moradores interessados na implantação da rede de água em suas ruas, a autarquia orienta que entrem em contato diretamente com o órgão. “As solicitações serão analisadas tecnicamente e incluídas no cronograma de obras conforme a viabilidade e a disponibilidade de recursos”.

O diretor-geral nega que serão cobradas taxas para moradores com poços artesianos e também o repasse dos custos de obras solicitadas aos solicitantes. “Geralmente, é o Samae que executa e arca com os custos. Porém, é preciso verificar se a rua tem viabilidade para receber a rede”, concluiu.

Riscos para a saúde

Brusque enfrenta uma dupla deficiência em saneamento básico: além de ter ruas sem acesso à água tratada, o município não possui sistema próprio de esgoto. A combinação desses fatores agrava a precariedade, afetando diretamente a saúde e a qualidade de vida da população.

A ausência de análises regulares da água de poços particulares e o esgoto exposto a céu aberto aumentam o risco de doenças, especialmente entre crianças e jovens, impactando até no desempenho escolar e no bem-estar geral dos moradores.

Segundo o relatório “Benefícios Econômicos da Expansão do Saneamento no Estado de Santa Catarina”, do Instituto Trata Brasil (ITB), em casos extremos a precariedade pode levar à morte. Em Brusque, dados de 2022 do DataSUS indicam 110 internações e quatro mortes por doenças de veiculação hídrica, como diarreia, cólera, febre tifoide, giardíase e leptospirose.

A taxa foi de 7,14 internações por 10 mil habitantes — menor que a média nacional, mas ainda preocupante. No mesmo ano, Santa Catarina registrou 92 mortes por essas doenças, e só as internações em Brusque custaram mais de R$ 58,3 mil aos cofres públicos.

O professor de Gestão Financeira, Crisanto Soares Ribeiro, destaca que os gastos com doenças evitáveis são reflexo direto da falta de infraestrutura. “Estudos mostram que um aumento de apenas 10 pontos percentuais na cobertura de água potável e serviços de esgoto seria capaz de reduzir em mais de 50% as internações por dengue no Brasil”, afirma.

Outros setores impactados

A ausência de saneamento básico completo no Brasil vai além dos impactos à saúde: compromete também o desenvolvimento educacional de crianças e adolescentes. Segundo o Instituto Trata Brasil, estudantes que vivem sem acesso à água tratada e esgoto adequado acumulam, em média, 1,8 ano de atraso escolar.

A escolaridade média é de apenas 5,28 anos, frente aos 9,39 anos daqueles que residem em áreas com infraestrutura adequada.

O desempenho escolar também é afetado. Dados do Painel Saneamento Brasil mostram que estudantes de regiões sem saneamento tendem a ter notas mais baixas em exames como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Apesar disso, o tema ainda recebe pouca atenção por parte da comunidade e não há registros específicos na Secretaria Municipal de Educação sobre os impactos diretos da falta de saneamento no rendimento escolar.

Um dos sinais mais evidentes do problema é a evasão. Em 2024, o Conselho Tutelar de Brusque registrou 237 casos de adolescentes em situação de risco por condutas próprias, principalmente por infrequência e abandono escolar — fatores que podem estar ligados às condições precárias de moradia em algumas regiões da cidade.

Segundo o ITB, esse ciclo prejudicial continua na vida adulta: menor escolaridade e desempenho reduzem significativamente as oportunidades no mercado de trabalho.

Além disso, a falta de saneamento afeta diretamente a economia local. Trabalhadores informais são os mais impactados, já que os afastamentos por problemas de saúde podem reduzir em até 20% sua renda mensal, conforme aponta o relatório.

Vigilâncias estão atentas ao problema

Para proteger a saúde da população, as vigilâncias Sanitária e Epidemiológica de Brusque acompanham de perto o cenário do saneamento básico no município.

Os órgãos alertam que o consumo de água não tratada compromete a higiene e aumenta o risco de doenças como diarreia, cólera, febre tifoide, giardíase e leptospirose — todas transmitidas por microrganismos presentes na água contaminada.

Segundo a Vigilância Epidemiológica, os casos de diarreia notificados em Brusque têm aumentado de forma significativa nos últimos anos. Em 2022, foram registrados 3.814 casos. No ano seguinte, o número subiu para 6.487 e, em 2024, saltou para 12.607 — um crescimento de 94% em relação a 2023.

Já em 2025, o que mais chamou a atenção foi uma morte por leptospirose. No total, nove casos foram considerados suspeitos, dos quais cinco acabaram descartados. Entre os quatro restantes, todos precisaram de internação: um paciente morreu, outro se recuperou e recebeu alta, e os dois demais são moradores de municípios vizinhos.

Como forma de controlar a situação em ruas que não possuem rede de água tratada, a Vigilância Sanitária realiza monitoramento semestral dos poços e solicita análises laboratoriais para verificar a potabilidade da água. Também fiscaliza a prestação dos serviços de água, esgoto e coleta de lixo.

“Recebemos muitas denúncias de esgoto a céu aberto, mau cheiro e proliferação de vetores. Coletamos amostras de água em 32 pontos da cidade mensalmente, que são encaminhadas ao Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen)”, afirma Roberta Fabiane Pizzo Moya, coordenadora da Vigilância Sanitária.

Esgoto a céu aberto no bairro Dom Joaquim, em Brusque | Foto: Especial/O Município

O órgão ainda orienta moradores que usam fontes alternativas a tomarem precauções, como limpar e desinfetar caixas d’água regularmente e tratar a água antes do consumo — fervendo por pelo menos um minuto ou usando produtos adequados. “Essas medidas ajudam a prevenir doenças e proteger quem depende dessas fontes”, explica Roberta.

Segundo ela, a situação do saneamento em Brusque é delicada e deve ser tratada como prioridade pelas autoridades, para garantir acesso seguro à água e preservar a saúde pública.

Solução a caminho

Brusque ainda não possui tratamento de esgoto, e a solução será a criação de um sistema completo com orçamento superior a R$ 740 milhões. A licitação está prevista para maio e a concessão deve ocorrer até julho na Bolsa de Valores (B3).

Atualmente, os moradores usam fossas com filtro ligadas à rede pluvial, que deságua no rio Itajaí-Mirim. Segundo o secretário José Henrique Nascimento, esse sistema hoje “com certeza, polui muito mais”.

O novo modelo prevê a desativação dessas fossas, com melhora significativa da qualidade do rio. O ambientalista Lauro Bacca apoia o projeto e afirma que, “se for bem feito, é possível tornar o rio Itajaí-Mirim limpo novamente”.

A concessão incluirá monitoramento, controle de qualidade da água, recuperação da mata ciliar, educação ambiental e combate a ligações irregulares.

Cristiano Olinger, da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Fundema), destaca os impactos positivos, lembrando que os laudos apontam presença de efluentes e que a captação de água no bairro Guarani é afetada por bairros populosos.

A concessionária também cuidará de serviços como ligações e leituras, enquanto o Samae seguirá responsável pela reservação e abastecimento. A Estação de Tratamento de Esgoto será construída na rua Abraão de Souza e Silva, na Estrada da Fazenda, e pertencerá ao município.

A tarifa de esgoto será cobrada apenas após início da operação, individualmente para cada residência conectada. A meta é atender 90% da população até 2033.

Possível interessada

A Aegea, líder no setor privado de saneamento no Brasil e responsável por sistemas em várias cidades catarinenses, acompanha com interesse a licitação que deverá ser lançada pela Prefeitura de Brusque.

Em março de 2024, por meio da Águas de Camboriú, a empresa firmou contrato com a Prefeitura de Camboriú, município vizinho de Brusque, para investir cerca de R$ 300 milhões em obras de esgotamento sanitário.

Questionada se a empresa possui interesse na licitação de Brusque, a presidente da Aegea SC, Reginalva Mureb, não descartou a possibilidade: “Acompanhamos os movimentos de universalização em todo o país. A Aegea analisa os projetos e, caso se mostrem atrativos e viáveis, cogita participar das licitações”.

Ao comparar com Camboriú, ela reconhece os desafios das obras, mas afirma que os benefícios à saúde e ao meio ambiente justificam os transtornos. Para Reginalva, a participação do setor privado pode trazer agilidade e recursos aos projetos.

“Brusque está no caminho certo ao buscar entregar à população serviços que colocam o município num patamar ainda mais elevado”.

Segundo ela, o primeiro passo é uma licitação bem estruturada, com segurança jurídica, boa regulação contratual e apoio ao longo da execução para que as intervenções ocorram dentro do prazo.

Problema vai além de Brusque

A gestão dos recursos hídricos em Brusque e em Santa Catarina enfrenta desafios como a falta de governança, segurança jurídica e um cenário econômico desfavorável, o que dificulta a atração de investimentos para universalizar o saneamento básico.

De acordo com o ITB, seriam necessários R$ 20 bilhões até 2033, com um investimento médio de R$ 231 por habitante ao ano. Entre 2018 e 2022, a coleta de esgoto no estado cresceu apenas 1,1% ao ano, o que levaria 55 anos para atingir a meta do novo Marco Legal do Saneamento.

Em 2022, 29,1% da população catarinense tinha acesso ao tratamento de esgoto, enquanto 89,6% tinham água tratada. O ITB estima que os investimentos em saneamento podem gerar um retorno significativo, com ganhos de até R$ 14,8 bilhões até 2040, destacando áreas como saúde, turismo, valorização imobiliária e produtividade.

“A cada R$ 1 investido, o retorno pode chegar a R$ 5,70”, afirma Luana Siewert Pretto, CEO do Instituto. Para ela, entre 2021 e 2040, seriam necessários R$ 6,4 bilhões para universalizar o saneamento em Santa Catarina, com estimativas de criação de 30 mil empregos e aumento de R$ 3,2 bilhões na renda do trabalho até 2055.

* A pedido das fontes, seus nomes foram alterados e as ruas onde moram não foram identificadas.


Assista agora mesmo!

Como o atentado de 11 de setembro quase afetou abertura do Alivia Cuca, famoso bar de Brusque:


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