“Sempre cai uma lágrima”: médica fala sobre como é o acompanhamento de pacientes com câncer de mama

Ana Beatriz Barranco é mastologista e acompanha a paciente por, no mínimo, cinco anos

“Sempre cai uma lágrima”: médica fala sobre como é o acompanhamento de pacientes com câncer de mama

Ana Beatriz Barranco é mastologista e acompanha a paciente por, no mínimo, cinco anos


Quando começou a estudar Medicina, a médica Ana Beatriz Barranco tinha uma certeza: não queria trabalhar atendendo pacientes com câncer. Com o passar dos anos, entretanto, ela acabou se especializando em ginecologia e obstetrícia e descobriu uma paixão pela mastologia – especialidade médica que trata das mamas – o que a fez cruzar seu caminho com a oncologia.

“Quando eu terminei a minha residência em ginecologia, decidi tentar a mastologia. Estudei muito e vi que realmente era isso que eu gostaria de fazer. Comecei a especialização sem nem pensar naquele histórico passado de que não queria a oncologia porque sofria muito com os pacientes. Realmente me encontrei”, diz.

Hoje, Ana Beatriz atua como mastologista na Policlínica de Brusque e também atende pacientes em seu consultório na VisãoMed. Sua rotina é diagnosticar e acompanhar todo o tratamento de mulheres com câncer de mama. Uma missão nada fácil.

“A gente acha que se acostuma a lidar com paciente oncológico, mas não. Não tem como se acostumar com isso, por mais que veja diariamente. Cada vez que tenho que dar um diagnóstico é sempre uma preparação. Parece fácil dar a notícia, mas não é, até porque cada paciente recebe o diagnóstico de uma forma”.

A gente acha que se acostuma a lidar com paciente oncológico, mas não. Não tem como se acostumar com isso, por mais que veja diariamente

A médica destaca que a maioria das pacientes têm um choque inicial quando recebem o diagnóstico positivo da doença, por isso, geralmente, é necessário uma segunda conversa para que ela consiga compreender o processo, o que, para a mastologista, é algo absolutamente natural. “O choque do diagnóstico de câncer faz apagar tudo da cabeça da paciente. A única coisa que ela vai pensar é que o cabelo vai cair, que vai perder a mama, e só depois de uns dois, três dias é que a ficha cai e aí sim voltamos a conversar sobre o diagnóstico”.

Para a família da paciente também não é nada fácil ter a notícia do câncer. A mastologista afirma que, muitas vezes, para os familiares é ainda mais difícil lidar com o diagnóstico do que a própria paciente. A médica observa que muitas mulheres tentam se manter fortes diante da doença, porém, é importante que a paciente seja livre para que possa demonstrar fragilidade.

“Eu sempre converso com pacientes que já tiveram câncer e pergunto o que elas não gostavam de ouvir quando estavam doentes, porque muitas vezes, as pessoas de fora acabam velando aquela paciente em vida. A gente sabe que ter câncer não é uma despedida, longe disso, e muitas pacientes falam que não gostavam de ouvir que elas eram fortes, guerreiras, porque tinha momentos que elas só queriam chorar e não podiam. Às vezes, elas só querem uma pessoa em silêncio para ouvi-las e eu faço muito isso durante as consultas, sei que é muito necessário”, diz.

Mastologista Ana Beatriz Barranco (à direita) realiza procedimentos cirúrgicos no Hospital Azambuja | Foto: Divulgação

Espiritualidade

Ana ressalta que nem sempre consegue manter a firmeza durante o diagnóstico, mas tenta transparecer ao máximo o que acredita. “Eu jamais vou fingir para a paciente que está tudo bem, quando na verdade não está. Ela não precisa ser enganada sobre o que está acontecendo. Tem família que pede para não contar, mas a paciente tem o direito de saber o que está acontecendo para conseguir lidar com isso”.

Além da franqueza, outro ponto que considera importante ao longo do tratamento é a fé. A médica se emociona ao lembrar de vários casos em que as pacientes transformaram a religião em aliada na batalha contra a doença.

“A religiosidade mexe muito comigo. Eu sou muito devota e um dia tive uma crise de choro absurda com a paciente porque a fé dela era tão grande naquilo que ela acreditava, que Nossa Senhora ia salvar, que não consegui me segurar. Chorei junto. A fé é muito importante”.

Eu não gosto do câncer, mas amo lidar com paciente que está passando por isso, porque é uma paciente grata. A gratidão é o que fica

Entretanto, a médica ressalta que apenas a fé não basta, é preciso seguir com o tratamento para que se tenha chances de sucesso. “Todos somos merecedores de milagres, mas a  parte médica tem que vir junto, não pode se abster do tratamento médico em prol da religião”.

Ela conta que já teve paciente em que foi preciso realizar a quimioterapia antes da cirurgia, para reduzir o tamanho do tumor, e após as sessões, com a redução ou desaparecimento do tumor, a paciente desistiu do procedimento porque acreditava que estava curada pela fé. 

“A gente não sentia mais o tumor, mas ainda era necessária a cirurgia. A paciente se sentiu curada por Deus e abandonou o tratamento. Quando voltou, depois de alguns meses, já era uma doença totalmente diferente, muito mais grave, e teve que fazer uma cirurgia mais agressiva. É por isso que a fé tem que vir junto com a medicina. Eu acho que ajuda muito elas a passarem por isso e a vencer”.

Momento de emoção

 

A médica afirma que um momento de grande emoção durante o tratamento é a cirurgia. Ela destaca que, muitas vezes, não consegue conter as lágrimas durante a preparação para o procedimento.

“Na hora da cirurgia, quando elas começam a dormir e estou segurando a mão delas, sempre cai uma lágrima, porque é a hora que vamos arrancar aquilo que não pertence a elas. Eu choro junto. Mas não é um choro de tristeza, é um choro porque eu sei que vai dar tudo certo, que vai ficar tudo bem”.

Na hora da cirurgia, quando elas começam a dormir e estou segurando a mão delas, sempre cai uma lágrima, porque é a hora que vamos arrancar aquilo que não pertence a elas

A paciente oncológica é acompanhada durante cinco anos e, se ao longo deste tempo, os exames não tiverem alteração, ela ganha alta. Ana Beatriz destaca que não tem como não criar um vínculo com as pacientes, já que durante cinco anos, acompanha a vida dessas mulheres.

“Acompanho cada etapa, cada respiro após um exame normal. Eu fico feliz, choro junto, e quando com cinco anos consigo dar alta é muita felicidade, vibro muito. A gente cria um vínculo durante esse tempo, acompanhamos a vida dessa paciente, é uma relação muito bonita que construímos”.

Ana Beatriz ressalta também o sentimento de gratidão e a mudança na forma de enxergar a vida que aprende diariamente com as pacientes. “Eu não gosto do câncer, mas amo lidar com paciente que está passando por isso, porque é uma paciente grata. A gratidão é o que fica. Às vezes chego em casa, e penso o que eu estou reclamando? Eu estou bem, saudável, trabalhando. Meus problemas não são nada perto do que elas estão passando. Eu aprendo com elas todos os dias a ver a vida com mais gratidão”.

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