Túnel fantasma: há 75 anos iniciava a construção da passagem subterrânea de Brusque que nunca foi concluída

Estrutura abrigaria uma linha férrea que ligaria Brusque a Itajaí, mas nenhum trem jamais chegou a passar por ela

Túnel fantasma: há 75 anos iniciava a construção da passagem subterrânea de Brusque que nunca foi concluída

Estrutura abrigaria uma linha férrea que ligaria Brusque a Itajaí, mas nenhum trem jamais chegou a passar por ela

Quem visita o Parque das Esculturas, em Brusque, certamente já se deparou com o túnel existente no local e se perguntou sobre sua história. A construção, iniciada na década de 1950, tinha como objetivo viabilizar a passagem de uma linha férrea que ligaria Brusque ao bairro Itaipava, em Itajaí.

A ideia surgiu em 1910, quando empresários locais propuseram a criação de uma linha férrea até o porto de Itajaí, passando pelo túnel do Montserrat. Ao chegar ao bairro Itaipava, a mercadoria seguiria até o destino final no porto.

Otávio Timm/O Município

A ferrovia, projetada para a Estrada de Ferro de Santa Catarina (EFSC), ligaria Blumenau ao interior do estado — passando por Ibirama e, posteriormente, Rio do Sul. Naquela época, o transporte para o litoral era feito exclusivamente por via fluvial.

O projeto foi interrompido em 1926, devido às tensões que antecederam a Revolução de 1930, sendo retomado nos anos 1950.

Previsto para ter 25 km de extensão, o ramal incluía uma ponte de 29 metros no bairro Limoeiro e um túnel de 250 metros em Brusque, construído pela Emtuco.

No projeto também era previsto que o ramal teria 25 km de extensão. Para que ele se tornasse realidade foi construída uma ponte de 29 metros no bairro Limoeiro, em Itajaí, e o túnel  em Brusque. A passagem subterrânea deveria possuir 250 metros de extensão.

Mapa do ramal de Brusque | Acervo: Arquivo Histórico Professor José Ferreira da Silva

A construção do ramal até Brusque começou a ser executada pela Empresa de Transportes, Urbanização e Comércio (Emtuco), mas logo surgiram boatos de que o projeto representava desperdício de recursos públicos.

Documentos da época indicam que o crescimento da produção de veículos e a expansão do transporte rodoviário, que passou a ser prioridade para os industriais, resultaram em forte pressão política e empresarial pelo abandono da ferrovia.

Construção do túnel e da linha férrea | Acervo de Érico Zendron

Em 1964, após intensas discussões e mobilizações, a ferrovia foi definitivamente abandonada e parte da infraestrutura foi reaproveitada para a construção da rodovia Antônio Heil.

O túnel, que nunca chegou a receber um trem, foi soterrado e redescoberto apenas em 1990, sendo desenterrado entre 2006 e 2009.

Túnel sendo desenterrado em 2006/Acervo de Toni Nicolas Bado

Atualmente, é possível atravessá-lo, mas, ao final, para quem entra pelo Parque das Esculturas, pode ser necessário enfrentar um trecho alagado devido à umidade e às chuvas, além de um barranco coberto por mata, que quase bloqueia a saída.

Otávio Timm/O Município

A poucos quilômetros dali, no Limoeiro, em Itajaí, ainda é possível observar os restos de uma pequena ponte que suportaria os trilhos — um dos poucos vestígios de um projeto ambicioso que nunca saiu do papel.

Veja fotos atuais dos restos da ponte:

Otávio Timm/O Município
Otávio Timm/O Município
Otávio Timm/O Município

Projeto da Estrada de Ferro

Décadas antes da construção do “túnel fantasma”, Santa Catarina já debatia a implementação de uma rodovia nos terrenos carboníferos de Laguna.

Em 1895, foram concedidas as permissões para a construção da Estrada de Ferro Nova Capital ao Litoral, da Estrada de Ferro São Francisco a Estreito e da Estrada de Ferro Brusque a Itajaí.

As concessões da Ferrovia de Florianópolis e da Estrada de Ferro São Francisco a Jaraguá vieram em 1896. Já as da Estrada de Ferro Porto Belo ao Planalto Serrano e da Estrada de Ferro Blumenau ao Rio Negro datam de 1898, enquanto a concessão da Estrada de Ferro Porto Belo ao Rio Iguaçu foi emitida em 1912.

O projeto da Estrada de Ferro de Santa Catarina (EFSC) surgiu nos anos 1900, gerando disputas acirradas entre municípios que pleiteavam a passagem dos trilhos por seus territórios.

Brusque, no entanto, já havia iniciado sua história ferroviária cinco anos antes. A Lei nº 193, de 14 de outubro de 1895, autorizou o governo a contratar interessados na construção de uma ferrovia de bitola estreita ligando Brusque a Itajaí.

A primeira iniciativa para o uso de trilhos no transporte de cargas foi impulsionada pelo Cônsul Carlos Renaux, empresário visionário que contribuiu ativamente para o desenvolvimento da cidade.

Trilhos em Brusque

De acordo com relatos históricos constantes no livro “Brusque, Cidade Schneeburg”, de Saulo Adami, o cônsul conseguiu, em 20 de setembro 1900, uma concessão governamental para assentar trilhos na região, constituindo uma pequena e pioneira linha férrea, da qual hoje não restam vestígios.

Brusque estava completando 40 anos quando a linha férrea foi autorizada. Na época, o transporte fluvial era o meio mais fácil de transporte. O porto fluvial de Brusque dispunha de um trapiche de pedras, mastro de madeira e guincho, e estava implantado no centro, nas cabeceiras da ponte Irineu Bornhausen (atual Ponte Estaiada).

“Ali aportavam os barcos, as canoas, e lanchas que visavam o abastecimento da população e o escoamento de produtos para o porto marítimo, na atual cidade de Itajaí. Lanchas-perua eram utilizadas para transporte de cereais, como farinha de mandioca, milho, açúcar grosso, pipas de cachaça, para escoar outras mercadorias, e também para o transporte de pessoas. Naquele tempo o percurso entre Brusque e Itajaí pelo rio levava de sete a oito horas, para ida, e um dia, para a volta”, diz a pesquisadora e reitora da Unifebe, Rosemari Glatz.

Segundo o documento, ao qual O Município teve acesso a uma reprodução, a intenção era que fosse uma linha estreita, com tração animal, com extensão de três quilômetros, ligando a antiga ponte Vidal Ramos à Fábrica de Tecidos Carlos Renaux.

Linha férrea no Centro de Brusque nos anos 1900 | Acervo Museu Casa de Brusque

Um detalhe interessante da época é que o termo de concessão estipulava a necessidade dos trilhos não atrapalharem as porteiras das propriedades, de modo que a passagem das carroças fosse facilitada.

Os carrinhos dos trilhos eram também puxados a cavalo e, sem o devido cuidado, acidentes poderiam acontecer. O contrato dizia que a estrada de ferro partia da passagem Sul do rio Itajaí-Mirim até a fábrica de tecidos, a qual ficava na localidade conhecida, naquele tempo, como Pomerânia, hoje bairro Primeiro de Maio.

Uma das cláusulas do contrato obrigava o cônsul a disponibilizar sua linha férrea à municipalidade, quando esta precisasse, para o transporte de materiais para obras públicas.

O empresário também era obrigado a fornecer as rodas para os carrinhos de transporte desses materiais. A intenção do cônsul com a construção da estrada de ferro era aprimorar o transporte da produção da fábrica. De acordo com relatos de historiadores, ele já não estava satisfeito com o ritmo do transporte por carroças, o principal da época.

Fim da linha

Em 1920 o Carlos Renaux estava vivendo na Holanda, onde adquiriu um caminhão Mannesmann, que foi despachado via Alemanha para o Brasil. O caminhão substituiu os carrinhos que serviam como trem e a pequena linha férrea, uma simples plataforma de três quilômetros de extensão, da qual há muitos anos não restam quaisquer vestígios.

“Depois de mais de 20 anos, a pequena ferrovia perdeu seu uso. Iniciava-se o período capitalista industrial brasileiro, quando as ferrovias passaram a ter menor importância, dando lugar às estradas de rodagem, símbolo do transporte no período e de custo reduzido para as necessidades de um país continental como o Brasil”, complementa Rosemari.

Na década de 1950, o projeto ferroviário de Brusque, que envolvia o túnel do Montserrat, foi chamado de “caso BR-59”, devido à pressão para abandoná-lo em favor da construção de uma estrada estruturada, anos depois chamada de rodovia Antônio Heil. 

Homens posando durante a construção do túnel | CDMH de Itajaí

Embora a ferrovia nunca tenha sido concluída, o túnel de Montserrat e os poucos vestígios restantes são testemunhos de um projeto que jamais se concretizou, mas que permanece na memória dos brusquenses.

Otávio Timm/O Município

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