Único casal do serviço de acolhimento em família de Brusque compartilha rotina e desafios
Desde 2020, cinco crianças e adolescentes já passaram pela residência do casal
Desde 2020, cinco crianças e adolescentes já passaram pela residência do casal
O casal Marcos*, de 47 anos, e Cecília*, 46, formam atualmente a única família acolhedora no serviço de acolhimento em Brusque, conhecido como Família Acolhedora. Eles contaram ao jornal O Município as motivações, dificuldades e emoções em acolher uma criança ou adolescente.
O serviço atende crianças e adolescentes de zero a 18 anos que foram afastados do convívio familiar a partir de uma medida de proteção. Isso ocorre pelo fato de a família estar temporariamente impossibilitada de cumprir as funções protetivas.
Moradores do bairro Águas Claras, o casal possui duas filhas, Ana* e Júlia*, de 18 e 15 anos, respectivamente. Por causa disso, o critério que eles adicionaram na ficha de inscrição do programa é: meninas de 2 a 10 anos.
“Como só tem a gente, a psicóloga do serviço ligava e perguntava se a gente queria a criança. Ela sempre explicava a faixa etária, que às vezes não era a que nós escolhemos”, conta Cecília.
O casal entrou no programa em 2020 e a primeira pessoa que ficou na casa deles foi uma adolescente de 13 anos, em 2021. Ela ficou com a família por cerca de três meses.
Depois, as outras crianças vieram em seguida, todas em uma sexta-feira, e ficaram pelo mesmo período. A única exceção foi um bebê recém-nascido de sete dias que ficou até mais de um ano de idade. No total, cinco crianças e adolescentes ficaram com o casal.
Em todas as situações, o casal se reuniu com as filhas para decidir se ficariam com a criança. “Nos sentamos com as meninas e analisamos a situação. Fazemos com que elas participem, porque muda o cronograma de toda a casa”, conta Marcos. Atualmente, nenhuma criança está sendo acolhida pelo casal.
A psicóloga do serviço, Juliana Souza, explica que, no momento do acolhimento, o serviço dá assistência tanto para a família de origem quanto para a acolhedora.
“O critério primordial é não ter o desejo de adoção. Então durante esse tempo, a gente trabalha a questão do apego e passagem da criança, se ela vai para um lar de adoção ou se ela vai voltar para sua família”, frisa a profissional.
Apesar da decisão de não adotar nenhuma criança, o casal ainda guarda lembranças das crianças que passaram pela casa.
“Toda vez que eu pego o celular tem um monte de foto deles. Quando eu olho dá aquele aperto e aquela saudade. Às vezes a gente acha uma chupeta, um carrinho, mas Deus nos conforta, pois sabemos que ela está em uma família boa”, diz Cecília.
“QUANDO EU OLHO DÁ AQUELE APERTO E AQUELA SAUDADE”, LEMBRA CECÍLIA.
Marcos diz que, durante o acolhimento, mantém com as crianças o mesmo relacionamento que tem com as filhas e que, ao fim do processo, o sentimento vivido é de realização.
“É o mesmo amor, a mesma atenção de levar ao médico, à escola, etc. Quando se cumpre o propósito, elas são enviadas ao seus lares. Mesmo longe, o amor continua, ele não acaba”, diz.
“Você é parte de uma construção que, teoricamente, não teria nada a ver. A gente não sabe se a criança vai ficar muito tempo, ela pode chegar em um dia e ir embora no outro”.
“MESMO LONGE, O AMOR CONTINUA, ELE NÃO ACABA”, DIZ MARCOS.
Apesar de terem que dividir quarto, roupas e a casa com outras crianças, as filhas do casal contam que a adaptação não foi difícil e que mantêm amizade com algumas das adolescentes do programa.
“Sempre tem aquele nervosismo já que elas vão estar morando dentro da minha casa, mas foi bem tranquilo. Todas eram bem simpáticas. E com os bebês também foi bom, porque eu adoro criança”, conta Júlia.
Ana diz que criou um vínculo de amizade com as adolescentes e que mantém contato com uma delas. “Era um prazer estar dentro de casa com os bebês. Foi uma experiência boa. Com o bebê foi que a gente teve mais experiência. A primeira praia, os primeiros passinhos. Ele viajou com a gente para a Argentina”, conta.
Para participar do serviço não existe um modelo de família, pois a avaliação é baseada na disponibilidade afetiva e saúde mental da família.
“Pode ser um adulto sozinho, solteiro, ou um casal homossexual, por exemplo. Também não tem uma referência religiosa. São pessoas que estão organizadas na vida e têm disponibilidade afetiva para acolher a criança, que está em um momento de vulnerabilidade”, diz.
A família interessada deve realizar um cadastro, onde esses critérios serão avaliados pela Secretaria de Desenvolvimento Social. Toda a documentação é encaminhada para o Poder Judiciário.
Após isso a família passará por uma capacitação de 20 horas para então poder acolher a criança/adolescente.
Juliana explica que a família pode escolher uma característica da criança que deverá ser acolhida, seja uma criança que já se comunica, um bebê de colo ou um adolescente com certa independência.
Ela explica que o papel da família é acolher e minimizar a dor da criança. “A gente precisa colocá-la em um lugar seguro”.
“A GENTE PRECISA COLOCÁ-LA EM UM LUGAR SEGURO”, FRISA JULIANA.
A criança ficará com a família acolhedora o tempo que o processo estiver em andamento, podendo se estender no máximo até 18 meses. Por causa disso, é dado um subsídio para a família de um salário mínimo por criança.
“De repente vem uma criança que vai demandar um pouco mais de atenção, vai demandar levar no médico e fazer um acolhimento com mais tempo”, diz Juliana.
*A fim de proteger a identidade das fontes, os nomes citados são fictícios.
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