“na quarta parte nova os campos ara;
e, se mais Mundo houvera, lá chegara”
(Camões)
Desci ladeira abaixo, com passos precisos e rápidos. Olhos apertados, cuspindo labaredas. Os sinais verdes, como o rosto dos jovens que sorriam a esperança entre seus papelotes de maconha. Dentes esverdeados reluziam os catadores, os mendigos, os rins dos beberrões.
Do outro lado da rua,
os servidores públicos se rebelavam. Tal como fez, Dom Pedro, em 1822. Ali mesmo, falava convenção, sorrateiramente, de língua enviesada: o Ilhéu, o imigrante, o filho ingrato, o desertor. De ombros enfileirados não eram tão iguais.
A memória ainda fresca de açores e catarinas, alguns Guimarães, outros, Antenor. Todo passo caminhava mastigando a fala congraçada.
Poeira.
À frente, entre raios de sol, o pouco vento e o calor do xale vibrante, olhos tateavam mil cores, formas e gestos. Toda aquela gente, bailava sua rotina, barraquinhas amassadas, o peixe farto, rosáceo, salgado de suor. A labuta da arte, do pescador, do estudante, do andarilho. De toda aquela gente sobre a praia que tão cedo se despedira.
A diáspora comum.
Pulso de vida, de movimento, de expressão. Ao redor das poltronas macias dos Reis, o largo da Princesa, brinco de contraste. De todas as tardes, que até a corte, amalgamava-se as escusas.
Ali estava Angeline, raio de sol.
No “vai quem quer”, presença: a pele morena, olhos amendoados, cabelos negros e escorregadios. Como aquele açore, ou, diferente dele. Milhares de quilômetros da sua Venezuela, derretida em sonhos da água doce do Desterro. Os braços que entregam hoje pratos, sonham ilustrar. Mais-que-perfeito, passou a bruxa boa, a princesa, o próprio tempo. Até a própria praia, durou pouca vida, e para lá, sempre ficou.
Mulher ao mar, naufragada em meio centro. O mar absoluto.
Floriano levou a graça do desterro. E a marca que ficou, desce entrecortada. Desaguando Brasis.
Coincidência: o primeiro livro de Catarina, ser “a assembleia das aves”. De rapina. O que é para um paraíso, para outro é castigo. “Emoções para toda sorte”.
Salvo o chá da tarde, com Flanklin Cascaes. Uma caderneta verde de couraço, alguns livros embaixo do braço. Sem acenos, trouxe o estomago nauseado para casa. Entretanto se: “a ilha” ou “minha ilha”, todo Ilhéu corre a pé descalço à sua terra. Numa saudade, naufragada apenas em português.
“por uma fatalidade
Dessas que descem de além…”
que viu Sachet, viu Silva também.
Méroli Habitzreuter – escritora, pintora e ativista cultural