Eni Teresinha Barni Beuting, de 66 anos, relata diversos eventos históricos que ocorreram diante das portas de sua primeira loja, com 50 metros quadrados, no Centro de Brusque. A empresária resgata que, em quatro décadas à frente da Lemus, viu o mundo mudar. Porém, continua observando as transformações, que não lhe assustam de maneira alguma.

Natural de Vidal Ramos, herdou do pai, Guilherme Barni, a vocação pelos negócios calçadistas. A relação da empresária por esse segmento da moda começou muito cedo. Tão cedo, também, perdeu essa referência em um acidente de carro, em Timbó, antes de completar os 20 anos.

A empresa, criada pelo descendente de italianos Guilherme, tratava-se de uma “fabriqueta de calçados”, como descreve. Entre seus outros nove irmãos, Eni pode dar continuidade ao uso da marca Lemus no negócio, que deixava de ser indústria para ser comércio. A personalidade da empreendedora, muito similar a do pai, conferiu-lhe esse direito de suceder o protagonismo na gestão da marca perante aos irmãos.
A infância em Vidal Ramos foi marcada pela vida bucólica que a cidade oferecia. Eni relata que a educação sempre foi um pilar importante e, mesmo se desdobrando nos estudos, ajudava o pai não só na fabriqueta, mas também encarou muitas vezes as lavouras de fumo – conhecidas por quem viveu nessa região, pois foi uma das principais atividades econômicas da cidade durante as décadas passadas.

A frente empreendedora de Eni já foi homenageada por incontáveis vezes neste período de 40 anos à frente da Lemus. Reconhecimento lembrado até durante a típica Doce Festa, comemoração tradicional que ocorria anualmente até o começo da pandemia da Covid-19 em Vidal Ramos. A honraria lembrou pessoas naturalizadas na cidade que hoje são expoentes  em atividades econômicas ou profissionais.

Um dia antes de embarcar para Madri, sem querer falar muito disto, Eni relata que não quer viajar mais tanto. Muitos dias fora de sua base prejudicam o andamento da rotina corporativa e religiosa.

A vida cristã ganhou nova figuração após a passagem da mãe, Waltrudes Comandolli. Diante de um movimento intenso de orações e apego a Deus, surgiu sua igreja, A Voz de Uma Nova Geração. “Deus é um só”, garante.

Eni Barni Beuting, de 66 anos, mostra-se audaciosa por novos projetos e revela ainda não pensar na aposentadoria. Fotos Ricardo Ranguetti

André Groh: Como foi sua infância em Vidal Ramos?
Eni Barni Beuting:
Foi muito boa. Além de trabalhar nos negócios do pai, estudava muito e cheguei a ser professora substituta no colégio. Mais tarde fui estudar em Joinville, onde respirei novos ares de cidade. Trabalhei numa loja de três andares que, além de calçados, vendia trajes sociais e até perucas para os homens. Neste período já recebia reconhecimento pelo desempenho em vendas.

Tem irmãos?
Somos em dez filhos. Eu queria até ter cinco filhos, mas fiquei só com duas, Andressa e Fernanda. Minha mãe falava que é melhor ter menos filhos e poder se dedicar mais a eles.

Suas filhas nasceram praticamente dentro da Lemus?
Sim, e são muito dedicadas. Posso contar com a Andressa e a Fernanda pra tudo. Não pretendo me ausentar, mas se por ventura precisar um período, tudo está organizado e encaminhado pra elas darem conta sozinhas.

Como é o espaço da mulher no mercado hoje?
Acho que esse negócio de espaço da mulher no mercado de trabalho tem um fator que poucos falam. Que é a necessidade delas também. A mulher precisa sair de casa para trabalhar, porque o homem não dá mais conta sozinho. O custo de vida está muito alto. É verdade, sim, que a mulher foi buscar seu espaço e sua independência, mas é inegável que isso se dá por uma necessidade também. Minha mãe teve dez filhos e eu só consegui ter duas, porque elas consumiam muito tempo de atenção e dedicação, enquanto o trabalho também exigia muito.

Como ocorreu a chegada em Brusque?
Meus pais se mudaram e trouxeram a fabriqueta de calçados para desenvolver em Brusque diante da estrutura da cidade, também.

Como surgiu sua A Voz de Uma Nova Geração?
Minha mãe lutava contra um câncer e ficamos por meses nessa batalha. Tive contato com um pastor que apresentou um óleo poderoso durante esse período para as dores dela. E paralelo a isto, além da medicina, precisava me apegar muito em oração. Principalmente quando ela fez sua passagem, foram dias muito difíceis. Precisava ter Deus do meu lado, e minhas orações são muito forte. E foi por este período que surgiu a igreja.

Através da igreja, você lidera diversos movimentos sociais também.
Tenho um projeto social que se chama Ressuscite Seu Sonho, que realiza anualmente uma média de 35 casamentos de pessoas carentes no civil e no religioso. Simplesmente cuidamos de tudo para realizar o sonho destes casais, e ainda abrimos para até vinte convidados por casal para prestigiar e testemunhar esse momento marcante na vida de cada um. Temos projetos com famílias carentes e várias instituições de nossa cidade.

E no dia a dia da igreja?
Cada dia tem alguma movimentação diferente. Há dias que eu atendo pessoas individuais também. Essa pandemia mais que triplicou os casos de depressão por exemplo. E sempre recebo essas pessoas para orar e conversar. É importante a relação com a espiritualidade para se curar de tudo.

Bebe álcool?
Há pelo menos 20 anos que não bebo. Eu comemoro com suco de uva se for preciso. Comecei reduzindo e bebendo uma taça ou outra socialmente, mas hoje não bebo uma gota. É uma droga como toda outra. Destrói famílias, carreiras, e a sociedade ainda vê com olhos quase inofensivos. Bem não faz.

Tem se preparado para fazer a sucessão da gestão da Lemus para as filhas?
Pelo menos nos próximos 5 anos vai continuar da maneira que está. É minha vitalidade fazer parte deste negócio e ter essa rotina. Não tenho plano algum de antecipar isto. De repente depois sim, posso passar a diminuir minha rotina e frequência a loja.

Ainda dá o veredito final?
O comando final é meu, com certeza. Tem horas que minhas filhas ficam loucas comigo. Acabei de lançar uma promoção muito abaixo do valor que paguei de custo pelo produto, para um valor até simbólico no mercado. Quero que todo mundo tenha também a oportunidade de comprar um par de sapatos e coloquei um limite por pessoa pra ter acesso a essa promoção. Eu sei que muita gente ficou prejudicada na pandemia e ajudo da maneira que posso. Todo mundo precisa calçar algo nos pés, isso interfere na autoestima das pessoas também.

Existe projeto de expandir?
Estou sempre inquieta e não nego essa possibilidade. Mas estou somente observando e estudando por enquanto, para saber qual praça comporta. Há uma carência ainda no varejo regional de calçados.

Viagens como esta para Madri são frequentes?
Três dias em São Paulo buscando tendências pra mim são suficientes. Mas essa viagem específica vamos com a equipe de compras também, para uma nova marca masculina que vamos posicionar no mercado, com linha própria, assim como a feminina já existente.