Luiz Homero Zaninotto Junior, 64 anos, descobriu cedo como a relação com os animais lhe faz bem. Quando criança, os primeiros contatos se deram com os cavalos nas fazendas administradas por seus avós, no interior de São Paulo. Nascido em Marília, é descendente de italianos por parte de pai.
A mãe, Rosalina Tanuri, é professora, historiadora e escritora, e isso o deixou muito próximo da educação. Os passos guiados pelo agronegócio o levaram a somar formações em engenharia agrônoma e zootecnia mais tarde.
As idas para Marília ocorrem a cada dois meses em média, para visitar a mãe e outros familiares que ainda moram na cidade. Durante a entrevista realizada por vídeochamada, Homero se emocionou duas vezes. Quando falou sobre uma passagem por depressão, e a pausa mais longa foi quando lembrou da sua relação com os netos. “Afetivamente não era tão desenvolvido quando meus dois filhos nasceram. Hoje é diferente”, garante.
Atual presidente do Grupo Uvel, Homero Zaninotto encontrou diversas razões para o deixar satisfeito com os negócios, que seguem expandindo. “Mas hoje voltei a ser agrônomo de novo. Temos a fazenda, o haras, e gosto muito de estar nestes lugares”, lembra.
Como era a infância nestas fazendas?
Meu pai é de origem italiana e minha mãe é de descendência libanesa. Meus avós vieram do Líbano mesmo. Cheguei a conviver com eles, que falavam pouco português. Cresci sobre a influência do meu avô paterno, que era fazendeiro, e do irmão da minha mãe que também é fazendeiro. Tive uma infância muito rural, e cresci acompanhando a fazenda. Cresci com meu avô no meio do cafezal, ajudava a fazer os canteiros de muda e colher café. Depois fui estudar, e trabalhei na Costa Rica e Guatemala, numa multinacional para implementar a cultura do café na América Central.
Qual a maior lembrança da fazenda?
É a florada. Quando está próximo da primavera, de repente numa manhã a gente sai de casa, olha para o cafezal e ele está branco. Vem um perfume maravilhoso para dentro de casa.
Você tem alguma relação nostálgica com a bebida?
Com certeza. Meu avô fundou em Marília a segunda torrefação de café na cidade. Se chamava Café América, que já foi vendida, mas existe até hoje. Há alguns dias, senti um aroma de café no aeroporto de Brasília que mexeu muito comigo. Sai procurando e achei um barzinho que dava origem ao cheiro. Pedi um café, e aquela bebida mexeu com cada neurônio meu. Quando fui descobrir, estavam servindo o Café América. Até hoje quando vou para a cidade visitar minha mãe compro café e trago para tomar em Brusque.
O que te deixou mais rural?
Tenho uma irmã que hoje mora em Presidente Prudente – SP. Ela é mais velha, e mais urbana. Meus pais também são mais urbanos. Tudo isso me deixou mais próximo do meu avô, que morava na fazenda. Minha infância era ligada ao campo. Prestei vestibular e me formei em engenharia agrônoma e zootecnia. Trabalhei por oito anos na área. Depois recebi convite para ser gerente de uma concessionária de um grupo libanês. Fui ser gerente de uma filial, mas ainda trabalhava com vários agrônomos.
Como começou a trabalhar com carros?
Um dia fui dar uma palestra, e os donos da concessionária me chamaram para montar uma equipe. Inicialmente dei risada, não me imaginava mexendo com carro. Mas os caras me ofereceram um monte de dinheiro e parei de ser agrônomo. Cheguei a ser diretor da empresa. Após 12 anos apareceu a oportunidade para comprar a filial de Umuarama – PR, e foi quando me associei com mais três amigos no negócio. Começou assim nossa história no ramo de automóveis, e já temos nove concessionarias Chevrolet e três da Fiat. Porém cheguei a ter uma experiência profissional muito negativa. Num período, antes de ser dono da Uvel, sai da empresa e voltei a morar em Marília por quatro anos. Foi uma fase difícil e um pouco traumática. Tive alguns problemas com um sócio, e chegamos a desfazer a sociedade. Abri uma empresa agropecuária pra mim, e neste período minha qualidade de vida caiu um monte. Vendi meus carros, meus filhos chegaram a estudar em escola pública, e morei de favor numa casa que minha mãe tinha. Foi um período muito importante, me deixou casca grossa. Isso fez a gente crescer muito como indivíduo. Eu e minha família conhecemos a dureza da vida. E depois de quatro anos, os árabes foram atrás de mim para voltar a concessionária.
Quais características suas você acredita que fizeram chamá-lo de novo?
Meus pontos fortes são a articulação e a diplomacia. Os árabes tinham dificuldades com isso. Herdei essas características do meu trabalho em multinacional. Era instruído a formar líderes e obter resultado através de pessoas. Você coloca as pessoas para fazerem o que precisa, e trabalha como motivador basicamente. Eu sou um cara que pensa muito com o lado direito do cérebro. Muita emoção e às vezes até falta razão. Hoje só estou bem financeiramente como empresário, porque me associei com pessoas completamente diferentes de mim. Meus sócios fazem conta pra tudo, são muito mais racionais. Agora temos muitas empresas, e cada vez que abrimos uma nova, temos por norma colocar o colaborador que vai cuidar da operação como sócio. Nem sei mais quantos sócios devo ter. Conforme vai abrindo empresas, vamos formando novas constituições. Nosso grupo tem governança corporativa, e um presidente é eleito a cada dois anos. É uma empresa muito estável, com conflitos que aparecem muito pouco, e quando aparecem, são resolvidos muito fáceis. Eu sou o atual presidente do grupo, na segunda gestão. A gente não sabia que o que precisávamos era governança corporativa. Foi uma ferramenta que encontramos para fazer uma sucessão bem feita. Mas hoje voltei a ser agrônomo de novo. Temos a fazenda, o haras, e gosto muito de estar nestes lugares.
Em que momento você se mudou para Brusque?
A gente era bem agressivo e muito competente em Umuarama. Meus três sócios são administradores de empresa, e sabem administrar cada centavo. Já eu sempre fui muito ligado em marketing, minha pós-graduação é na área. Essas formações fizeram a gente crescer rapidamente. A primeira concessionaria boa que apareceu para comprarmos foi por indicação de um amigo, que é diretor da General Motors. Ele falou da oportunidade em Brusque, e compramos a loja em 2005. Um ano depois abrimos outra Uvel em Tijucas e não paramos mais.
Como é a emoção de ver os netos nascendo?
Tenho dois filhos, um cuida das concessionarias Fiat e o outro das concessionarias Chevrolet em Jaraguá do Sul e São Bento do Sul. Quando meu segundo filho nasceu eu tinha 26 anos, e estava dando uma palestra no Paraná. Minha esposa foi para Marília – SP, e fui conhecê-lo já se passavam três dias. Era uma época que corria muito atrás da vida e trabalhava bastante. Afetivamente não era tão desenvolvido. Hoje é diferente. Meu neto inclusive tem o nome do meu pai, por escolha do meu filho.
Você se emocionou com esse batismo?
Muito. Só de lembrar já me emociono. Quando eu estou com meus netos no colo, tenho a impressão que é um membro, uma parte minha. Eu não cheguei a ter esse sentimento com meus filhos. A relação com meus filhos sempre foi de muita amizade. Estes dias vi meu filho dando entrevista, e ele respondeu que o melhor amigo dele sou eu. Com os netos a gente fica introspectivo, observo traços dos meus pais, e às vezes me vejo naqueles comportamentos também. É uma coisa interessante. Depois que tive meus netos, eu perdi um pouco o medo da morte.
Por quê perdeu o medo da morte?
Eu vejo um pouco da imortalidade do ser humano nos meus netos. Você não acaba. É como quando uma árvore fica velha, cai uma semente e nasce outra árvore. Eu olho para meus netos e vejo que não morro mais. Eu vou continuar.
Como conheceu a Bia?
Foi num carnaval em Marília. Eu a vi pulando carnaval num salão, e ficamos quatro noites se olhando. Não tivemos coragem de chegar perto um do outro, e depois nunca mais nos vimos. Eu tinha 16 anos e ela 14. Após uns 5 meses, eu estava curioso para saber aonde estava aquela guria. Até que entrando num clube, trombei com ela na escada. Daí pra frente não teve mais jeito. Namoramos por sete anos, casamos e estamos juntos até hoje.
Já encontrou sua felicidade?
Já. Se você descobrir que na beira do rio pescando você vai ser feliz, poderá largar tudo o que está fazendo. É um processo evolutivo do ser humano. A gente tem muitos momentos que traduz como felicidade. Alegria e tristeza fazem parte do antagonismo do universo, isso é do dia a dia. Felicidade é um estado de espírito. O que traz a felicidade é uma coisa só, que é aprender a amar as outras pessoas. Quando você começa a sentir prazer no servir, você começa a ser feliz. Não existe nada melhor para cuidar de uma depressão ajudando alguém. Eu tive uma depressão e foi assim que lidei.
Como lidou com essa passagem pela depressão?
Eu tinha 26 anos, e não se conhecia depressão. Um primo médico que notou meu desespero. Lidei sobrevivendo. O período da depressão tem que ter foco só numa coisa, que é sobrevivência. Não adianta tentar fazer essa pessoa ser feliz ou dar só um sorriso. A boca é amarga, a vida é escura e o mundo é cinza. O foco é a sobrevivência. Se começar a pensar em autodestruição, o estado está crítico e precisa urgente de uma orientação e uma ajuda próxima. A depressão é uma dor tão profunda, tão grande, que chega uma hora que as pessoas preferem morrer. Quando eu vejo uma pessoa deprimida, eu sei a dor que isso causa, e me aproximo para ver como posso ajudar. Hoje a pressão do meio ambiente aumentou muito a depressão nas pessoas também.
O que a depressão deixou de lição?
Eu notei as pessoas que gostam realmente de mim. Eu estava insuportável. Só fica perto quem realmente gosta de você, e os outros desaparecem todos. A depressão na minha vida foi a pior e a melhor coisa. Quando sarei me tornei um casca grossa, nada mais me abalava. Fiquei forte. Recentemente percebi que um amigo estava deprimido. Recebi ele, e fiz uma pergunta básica: ‘você está deprimido?’. Se fizer essa pergunta a alguém deprimido, ele desmancha na hora. Comecei a ajudar ele, dei um terço, estimulei a ler a bíblia e rezar. Ele estava se arrastando, até que de repente uma filha sua caiu numa depressão profunda e precisava ser vigiada 24h. A depressão dele curou naquele dia. O sentimento de ajudar alguém que depende de você, te dá o prazer do poder. É o empoderamento de um sentimento, e isso gera felicidade. Quando a gente atinge uma estabilidade financeira maior, você pode ajudar mais pessoas. E principalmente quem está perto. Não é na África ou na Ucrânia, por primeiro tem que ajudar teu funcionário, um amigo ou alguém da família. Isso traz muita satisfação e facilidade, é uma busca constante.
Como você acha que a depressão é vista entre os homens? Há uma resiliência?
Sem dúvida. A mulher é mais informada em tudo que é relacionado à saúde. Ela lê e se consulta frequentemente. Homem não tem essa busca às vezes. Homem é mal informado. A maioria dos homens que percebi estar deprimido, não sabia que estava com depressão. Ele fala que não sabe o que está acontecendo, e que aparentemente não tem motivos e até os negócios vão indo bem.
Apesar dos remédios, você acredita na importância do individuo identificar se há “raiz” nesta depressão?
Sem dúvida, a depressão é o resultado de um ‘processo errado’. Tá acontecendo alguma coisa… É como um copo d’água que transbordou.
Estar com os animais ajudou você?
Se relacionar com bichos ajuda em quase tudo. Se uma pessoa realmente gosta de animais, você sabe que a essência desta pessoa é boa. Ela pode até se manifestar de jeito errado, ser antipática ou grosseira. Mas a essência dela se aproxima dos bichos. Tenho cachorro e cavalo, que são dois bichos que são iguais em muita coisa. Eu estudo os cavalos desde que nasci, até a sua psicologia. Os cavalos têm uma capacidade sensitiva e te diria até telepática. O cavalo consegue fazer uma leitura do ser humano. Numa olimpíada, antes de chegar no obstáculo, o competidor já enxerga o cavalo saltando. O cérebro dele só dá essa alternativa. E o cavalo tem capacidade de fazer esta leitura. Se você simplesmente imaginar, o cavalo vai.
Quantos cavalos você tem?
Eu tenho mais de 80 cavalos, mas tem duas éguas que somente eu monto. Uma delas não fui eu que escolhi, foi ela que me escolheu desde potrinha. Eu andava, e ela vinha atrás de mim. Quando tive Covid, na primeira vez, tive problemas no pulmão. Os hospitais estavam todos lotados e isso me gerou um estresse muito grande. Passaram uns dias depois que curei, e minha mulher convidou para irmos ao haras. Minha égua é muito agitada e fogueteira. Eu tinha emagrecido uns 6kg, e quando cheguei lá, a égua chegou perto e me cheirou. Quando montei nela, o cuidado que ela teve comigo foi indescritível. Ela virou e ficou olhando se eu já estava montado com segurança. Saímos andando no pasto, e ela estava um doce. Nas porteiras só faltava debruçar de lado para facilitar que eu abrisse o acesso. Ela percebeu que eu estava doente, e fez a leitura do meu estado de espirito.
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