A mineira Glória Coelho entrou para a lista dos “50 brasileiros mais estilosos da moda” da FFW em 2014. A estilista tem lojas no Brasil, showroom em Londres e Paris, e exporta para diversos países. Todo sucesso somado aos 45 anos de carreira o guia para uma nova era, com preocupação em sustentabilidade dentro de suas possibilidades visto o cenário de seus fornecedores de tecidos no Brasil.
Glória Coelho sentou-se ao meu lado e naturalmente acabou dando um rumo a conversa, cheia de referências no cinema e com discussões sobre o cenário sustentável no Brasil. A estilista veio para participar de um talk-show com o tema Moda na Próxima Década, durante a programação do Balneário Trends na última semana pelo Balneário Shopping. Mas antes, batemos um papo.
André Groh: Se não fosse moda, o que te envolveria profissionalmente na vida profissional?
Glória Coelho: Cinema.
A.G.: É, por que?
G.C.: Porque adoro cinema, tem tudo. Fotografia, iluminação, arquitetura.
A.G.: O cinema é uma referência para você na moda?
G.C.: Muito, eu assisto três filmes por noite.
A.G.: Que tipo de filme?
G.C.: Eu gosto demais de filme de criança. Mas eu gosto de coisa do bem também. Não gosto de nada violento.
A.G.: Você transitou por importantes momentos do cenário da moda desde os anos 1970 até hoje. Quais as maiores mudanças?
G.C.: Mudou muita coisa, aquela época era contemporâneo e depois veio o espacial. Nós vivermos no momento digital é outro mundo completamente diferente. Como eu conseguia fazer tanta coisa sem WhatsApp? E você vê muitas coisas hoje, e precisa filtrar.
A.G.: Essa era digital traz tanta informação e referência, que imagino ter acelerado o processo criativo.
G.C.: Tem muita coisa sendo oferecida, mas você precisa tomar cuidado. Tem que escolher as pessoas que são da tua turma para você seguir. Antigamente nós queríamos informação, e era tudo muito lento. Mas o processo de criação é o mesmo na realidade. Quando você começa a coleção, começa a analisar o que vai acontecer daqui dois anos. Até nos filmes. Game of Thrones por exemplo influenciou tanto.
A.G.: Influenciou você?
G.C.: Todo mundo. A moda ficou um pouco Game of Thrones.
A.G.: Qual a essência de Game of Thrones que você consegue traduzir na moda?
G.C.: Os ombros grandes, o tipo de joia. Saias nos homens. As coisas selvagens, meio hippie. Tem a Daenerys que se veste com botas mais altas, saia em pedaço e assimetria. É tudo muito lindo.
A.G.: O que esperar da próxima década?
G.C.: Ela vai se formando por causa das pessoas que estão influenciando na época dela. No tempo da Chanel, ela encurtou a saia e inseriu malha da cueca de homem na moda da mulher. Porque tinham guerras e as mulheres iam precisar subir o bonde. Tem coisas que são necessidades, e provocam transformações. A consciência coletiva de todos. Ou um grande estilista que está na época.
A.G.: Quem são essas pessoas que são grandes influenciadores na moda pra você hoje?
G.C.: Todo mundo que aparece novo e propõe algo novo.
A.G.: Algum nome que você tem um carinho especial?
G.C.: Eu tenho pelo Pedro Lourenço, meu filho. Ele faz uma marca chamada Zilver, e trabalha com sustentabilidade. Não explora pessoas nem animais. Todo tecido não agride o planeta e você sabe a origem. Isso é muito atual e precisa ser falado. E vamos ser sincero, também não tem mais homem e mulher. São andrógenos. Tem menino vestido de menina, e menina vestida de menino. E é natural a gente tem vontade de se usar roupa de homem, é super lindo um blazer grandão. Zilver é muito forte nisso. E você viu a Greta Thunberg? Sigo ela faz muito tempo. Ela tem 16 anos, e vai toda sexta-feira para a porta do senado Escandinavo e fala: “vocês estão me entregando o planeta horrível. Qual é a de vocês? O que vocês farão?”. E ela está influenciando o mundo inteiro. A Inglaterra vai começar ser um país sustentável por causa dela.
A.G.: Você tem essas referências de gênero e sustentabilidade também?
G.C.: Tenho, respeito e sei que isso tudo está acontecendo. Não faço o quanto deveria fazer. Não faço mais porque eu vivo numa cadeia de tecidos, eu não tenho poder nenhum. Pedro Lourenço está morando na Europa, então ele tem tudo isso. Entrei no site da Nasa e falei “o que a gente pode fazer para salvar o planeta?”. Então peguei as ideias da Nasa, e começamos a fazer o trabalho quantitativo com as modelos falando: vamos salvar o planeta. Essa preocupação é super tá na moda, porque isso tem que ser, e precisa entrar no circuito e na cabeça de todo mundo. Eu vou trocar meu carro por um elétrico. Vou reformar minha casa, e fazê-la ecoeficiente.
A.G.: Mas você não acha esse movimento muito lento no Brasil?
G.C.: Tá muito lento. Se o filho do presidente fez uma fake notícia da Gretha Thunberg, com aquela edição alterando o fundo da foto dela no trem. Tem que ter um respeito no mínimo.
A.G.: Como a moda transforma a vida das pessoas?
G.C.: A moda veste as pessoas, e se você está muito bem vestida, abre portas. Você será mais bem tratada. Principalmente se for teu grupo. Você conhece as pessoas, porque você vê referências alheias, exemplo alguém que é do meu grupo porque escolheu tudo exatamente como eu escolheria. Tem aquela história da Oprah Winfrey, parece que ela foi na Hermès Paris muito mal vestida e não deixaram ela entrar. Foi um escândalo. Roupa abre caminho, as pessoas te respeitam mais.
A.G.: Como a gente pode avaliar se uma pessoa é bem vestida ou não? Não se trata de uma percepção individual?
G.C.: Eu acho que gosto são muitos. Tem gente que é clássica. Tem fashion. Tem austero. Poético. Romântico. Tem um monte de gosto. Você precisa estar em ordem e as pessoas vão sentir que você se preocupou em montar tua roupa.
A.G.: As redes sociais mudam a vida das pessoas, e como você se posiciona diante das redes sociais? És um pouco militante para falar de suas percepções sobre sustentabilidade, pontos de vista ou seu trabalho?
G.C.: Eu amo redes sociais. Quando o instagram começou seis anos atrás, eu trabalhava três horas por noite no Instagram. Eu mostrava meu ponto de vista sobre arte e que filme eu gostava. Eu amo isso, e você pode fazer um trabalho desse também e com cuidado. A moda e a pecuária são as que mais poluem o planeta. Minhas clientes de Mato Grosso ficam enfurecidas quando falo isso.