Aconteceu de uma hora para outra. Ou, melhor dizendo, aconteceu depois de ler um cartaz com o horário de atendimento de um novo comércio aqui na cidade. O lugar, quase um supermercado, não abre aos domingos. E fecha mais cedo aos sábados. Aí, a ficha caiu.

Quem nasceu depois pode não saber o que quer dizer a expressão “a ficha caiu”. Talvez também não lembre como era o ritmo da cidade, alguns anos atrás. Desta e de outras cidades. Lembro quando as lojas dos shopping centers de São Paulo começaram a abrir aos domingos, mesmo fora das grandes datas comerciais. Parecia uma coisa tão… cosmopolita! Que coisa mais incrível poder sair para comprar uma blusinha nova domingo de tarde!

E os horários foram se ampliando. Aqui, supermercados fechavam cedo e nenhum deles sequer pensava em ficar disponível aos domingos. Era dia de descanso, certo? Quem ficou sem carvão e sem cerveja, que planeje melhor na próxima vez. Ou que vá bater na porta dos donos de vendinhas, que sempre acabavam vendendo as emergências pela janela. Outros tempos. Hoje, teriam medo de um assalto.

Foi assim que fomos nos acostumando ao conforto do comércio sete dias por semana. Confesse, você já reclamou por não poder comprar pão fresquinho na sua padaria preferida aos domingos, se é que ela mantém a tradição de fechar nesse dia. Não?

É cômodo. Combina com a vida corrida (sofrida por homens, mulheres e criancinhas) dos dias de semana atuais. Mas será que é saudável?

A gente não tem mais ritmo. Em lugar de esperar o episódio da semana, gostamos de maratona. Em vez de ter o dia de fazer compra, com uma listinha bem pensada, compramos o tempo todo, misturando necessidade e impulso. O tempo todo.

Não existe mais dia de descanso – o que é pior, é claro, para as pessoas que trabalham para que nosso domingo tenha direito ao consumo. Um tempo atrás, uma vendedora (não brusquense, assim como eu) me disse que as pessoas de Brusque não gostam de trabalhar. Foi uma afirmação chocante para quem sabe da tradição trabalhadora, fabril, de turnos 24 horas e patrimônio construído com esforço familiar. Mas ela queria dizer outra coisa. Queria dizer que brusquense não quer trabalhar nos finais de semana. Quer escolher. Para ela, isso é questionável. Talvez seja hora de questionar o questionável.

A gente deveria, sim, ter direito a escolher o ritmo da vida. A decidir que final de semana é para lazer, para recarregar baterias, para cuidar do jardim, da vida cultural, do que quiser. A gente pode muito bem abrir mão de algumas “comodidades modernas” e perceber que existia algo muito sábio no padrão anterior, das portas fechadas, da cidade mais quieta. Ah, mas as empresas precisam lucrar e um dia de portas fechadas é prejuízo. Será que o lucro desse dia não iria se distribuir pelos outros? É o caso de pensar.

Pensando bem, acho que a ficha começou a cair um pouco antes. No último dia 25 de dezembro, por acaso, passei na frente de uma pizzaria. Aberta. Lotada de gente. Fiquei lembrando de um tempo em que era impossível comprar qualquer coisa aqui na cidade, em pleno Natal. Era dia de ficar em casa, de conviver com a família, aquelas coisas de anúncio de margarina que, a gente sabe, nem sempre dão certo. Quando foi que virou dia de sair para comer mais uma pizza, entre tantas pizzas que comemos o ano todo?

 


Claudia Bia
– jornalista e especialista em fazer perguntas.