Qual sua comida favorita? Não me refiro a essas novidades deliciosas que aparecem de tempos em tempos e que provavelmente fazem parte do seu menu atual, mas vasculhando em sua memória gastronômica/afetiva qual preparação que te vem à mente?

Desde pequenos nos oferecem os alimentos e os pratos que nossas famílias tem por preferência e por meio cultural costumam ingerir. As características culturais são bem marcantes quando pensamos que criancinhas chinesas comem insetos fritos e crianças alemãs comem chucrute. E tem também os mitos que intervêm: temos como exemplo a condição proibitiva de consumir leite com manga. Quais os seus mitos?

Nos é dito como devemos nos alimentar e nos ensinam a selecionar o que deve compor ou não as nossas refeições diárias. Geralmente após poucos anos identificamos como “caseiros” os sabores e cheiros que sentimos nos pratos elaborados pelas nossas mães e nossos pais e também por nossos avós. Há pesquisas que indicam que as experiências da infância são determinantes na concepção de preferências que se mantém ao longo da vida do indivíduo.

É comum os hábitos alimentares das pessoas estarem influenciados pela região em que se encontram. Com base nessa condição as receitas típicas da localidade e ingredientes regionais costumam ser oferecidos na infância tornando esses alimentos e preparações referência quando se trata de hábito alimentar. Embora seja possível mudar inteiramente nossos costumes e nossa dieta quando podemos escolher sozinhos nossos alimentos, nossa memória está ligada às primeiras comidas ingeridas e alguns sabores, texturas e aromas aprendidos através dele permanecem, em nossa consciência.

Luis da Câmara Cascudo, em sua belíssima obra História da Alimentação no Brasil afirma que, em momentos rituais, o alimento é um elemento fixador psicológico no plano emocional, e comer certos pratos é ligar-se ao local ou a quem os preparou.

Ficamos orgulhosos quando encontramos receitas que consideramos caseiras, em detrimento a tantas novidades gastronômicas e influências internacionais. Acreditamos que, quando nossa identidade cultural está acesa por meio da comida, nossos ancestrais de alguma forma se fazem presentes ali. De algum modo aconchegante e nostálgico conseguimos sentir a presença de um familiar que já partiu desse plano ou que está geograficamente muito distante.

Essas considerações aqui mencionadas são pontos que embasam o termo “Comfort Food” (comida de conforto) que teve sua primeira menção em dicionários dos Estados Unidos na década de 1990. Por aqui a cronista gastronômica Nina Horta nos apresentou o termo “Comida de alma” e julgou ser “a comida que consola, que escorre garganta abaixo quase sem precisar ser mastigada, na hora da dor, de depressão, de tristeza pequena”.

É importante frisar que o conceito de comfort food é diferente do conceito de cozinha regional. Obviamente a comida regional, por meio dos pratos típicos, pode transmitir uma sensação de conforto físico ou emocional, por conta do significado que possui para o grupo que a degusta. Termina por constituir símbolos locais, os chamados pratos típicos, mas não é uma condicionante, nem um pré-requisito. Em outro momento conversaremos mais detalhadamente sobre cozinha regional. Em relação ao comfort food não há receitas exclusivas, tudo vai depender do local em que fomos criados e por quem fomos alimentados.

Não sei porque, mas ainda me impressiono com a facilidade que o capitalismo tem em absorver as questões emocionais das pessoas e transformar em apelo de venda. Percebam quantos comerciais e embalagens de alimentos utilizam termos como “caseiro” e “tradicional”. Artifícios como esses são descaradamente empregados pela indústria alimentícia na certeza de nos convencer que tais alimentos fazem parte do nosso rol de comfort food. Bom, da realidade passam longe, porém do imaginário chegam perto. Cuidado com as armadilhas da propaganda enganosa.

Um artigo que considerei bem completo sobre o tópico comfort food analisa cinco estudos com abordagens investigativas diferentes sobre o mesmo tema: Memórias Gastronômicas. Quem tiver interesse de se aprofundar pode dar uma olhada lá.

Querem saber qual a minha comfort food?

Bolo de nata, suspiros e morangos! Em todos os meus aniversários teve e tem esse bolo. Além disso, quando procuro consolo é nele que encontro, quando quero comemorar é com o bolo de morango que me presenteio! A receita? Essa está com a nossa saudosa boleira Dona Selma, a insubstituível.


Michelle Kormann da Silva
– gastrônoma