Cultura é um conjunto de conceitos, conhecimentos e costumes de um determinado grupo. Ela abrange desde a religião até a comida e a bebida. Guabiruba é conhecida pela sua cultura germânica. Um exemplo irrefutável deste legado pode ser visto na quantidade de cervejeiros artesanais que há na cidade: cerca de 80.
Os guabirubenses preservam até hoje o costume de fazer a própria bebida para confraternizar com os amigos. Ao fazer isso, muitas vezes sem saber, eles estão levando adiante um hábito que, com certeza, fez parte do cotidiano de seus antepassados, no estado de Baden-Württemberg, de onde veio a maioria dos imigrantes no século 19.
A Alemanha é vista como “a nação da cerveja” até os dias atuais. E não é por acaso. A cerveja foi descoberta, provavelmente, acidentalmente pelos sumérios, no ano 6.000 a.C.. A receita foi repassada a cada povo ao longo da história e a bebida ganhou cada vez mais adeptos.
Até que chegou aos povos germânicos, que começaram a produzir a bebida por volta de 800 d.C. Foram essas tribos que deram origem aos reinos e ducados que hoje formam a Alemanha. Sabe-se que a cerveja ganhou popularidade entre os germânicos, e muitos se aventuraram a produzi-la, o que resultava em diferentes gostos.
Foi por causa dessa falta de padrão que nasceu a famosa Lei da Pureza Alemã (Reinheitsgebot) de 1516. O duque Guilherme IV, da Baviera, proclamou, em 23 de abril daquele ano, a receita “oficial” da cerveja: água, malte de cevada e lúpulo. Nada mais. Desde então, esse é o parâmetro de qualidade no mundo inteiro.
Tudo isso tem ligação direta com os alemães, e por consequência com os guabirubenses. A antiga Cervejaria Estrela, que funcionou na cidade no século passado, é um exemplo da ligação entre Guabiruba e a famosa gelada.
Por isso, não é surpresa que existam tantos cervejeiros, de vários níveis de qualificação. Há gente como o grupo Fünf Freunde (Cinco Amigos, em alemão), do Aymoré, que faz simplesmente para o consumo próprio; como a Eichenlaub Bier, do São Pedro, que já faz eventos maiores; e a mais famosa de todas: a Kiezen Ruw, cervejaria conhecida em todo o estado e que deu origem à onda cervejeira que existe atualmente.
A vasta quantidade de cervejeiros também refinou o paladar dos guabirubenses. O público tem ido além da tradicional pilsen – e os estilos ipa, apa, weiss e outros, de escolas belga, alemã e americana, também têm sido bastante pedidos.
Ele fazia a cerveja em casa, mas se animou a abrir a cervejaria. Pesquisamos a qualidade da água, e o resultado foi muito bom. A água da Planície Alta é muito pura, de alta qualidade, então não tivemos dúvidas de que abriríamos ali
Essa retomada do amor pela produção de cervejas teve início há menos de uma década, e uma das precursoras foi a Kiezen Ruw, localizada nos rincões do bairro Planície Alta – numa região alta, cercada pela natureza.
De Guabiruba para o estado
Quem prova um dos dez estilos de cerveja produzidos pela Kiezen Ruw pode sentir o sabor do malte e demais ingredientes, mas, na verdade, tem um só sabor: Guabiruba. A cervejaria foi fundada há cerca de seis anos, e seu início foi à moda artesanal.
Maurício Gonçalves de Oliveira, de Florianópolis, foi morar em Brusque para trabalhar como médico. Mas além da Medicina, ele também tinha como paixão a produção da bebida em casa, apenas para consumo entre amigos.
Já casado com a brusquense Roberta Albani Ruzinsky Gonçalves de Oliveira, o médico resolveu abrir uma cervejaria. Ele já havia comprado um sítio no bairro Planície Alta, em Guabiruba, à esta altura.
“Ele fazia a cerveja em casa, mas se animou a abrir a cervejaria. Pesquisamos a qualidade da água, e o resultado foi muito bom. A água da Planície Alta é muito pura, de alta qualidade, então não tivemos dúvidas de que abriríamos ali”, conta Roberta.
Hoje, o casal vive em Florianópolis, mas abrir a fábrica noutro endereço sequer cruza o pensamento deles. Roberta afirma que o plano para o futuro é manter a cervejaria como está: pequena e aconchegante.
O mestre cervejeiro Marcelo Alexandre Ferreira é o responsável pela produção. Na fábrica, são feitos os estilos belga, americano, inglês e alemão. São dez tipos ao todo, servidos tanto no pub próprio quanto em outros estabelecimentos.
O pub da Kiezen foi aberto há cerca de um ano e já é um sucesso. Localizado numa região de pouco acesso, atrai cerca de 200 pessoas aos sábados. Nas sextas, a clientela é menor, mas significativa.
O velho estilo à moda de Guabiruba de um local pequeno, boa bebida e muita conversa persiste, ainda que a Kiezen já seja conhecida em todo o estado. Prova desse sucesso é que, aproximadamente, 70% do que é produzido vai para Florianópolis. O litoral e Joinville correspondem a 15%, enquanto que o restante fica em bares de Guabiruba e Brusque.
Ferreira conta que o público é bastante variado, e as cervejas outrora conhecidas de um seleto número de pessoas já são mais apreciadas. “Hoje, há uma procura muito grande pela americana ipa e a apa. As americanas são muito procuradas pelo amargor e o gosto frutado que têm”, afirma.
Pessoas de vários lugares procuram a Kiezen Ruw, que faz parte da Rota da Cerveja na região. Até mesmo gente do Nordeste do país visita o lugar.
Pelo prazer de beber
A Kiezen Ruw influenciou muitos guabirubenses, que nas suas dependências fizeram curso para aprender a produzir a cerveja. Foi assim que nasceu o Fünf Freunde, grupo de Valentin Kohler, João Antônio Covastky, conhecido como Kowalsky, Amilton Cardoso, Alcides Seubert e Wilson Koehler.
Podes fazer uma cerveja hoje, amanhã tu fazes de novo e não tem mais o mesmo gosto, sempre altera um pouco
O primeiro a se interessar pela arte de fazer a bebida foi Valentin. Ele fez um curso na Kiezen Ruw e depois convidou Kowalsky. E então vieram os demais. Em 8 de agosto de 2013, eles fizeram a sua primeira panela de bebida. A ideia é reunir um grupo de amigos, bebendo, comendo e conversando. E nada mais.
O primeiro a se interessar pela arte de fazer a bebida foi Valentin. Ele fez um curso na Kiezen Ruw e depois convidou Kowalsky. E então vieram os demais. Em 8 de agosto de 2013, eles fizeram a sua primeira panela de bebida. A ideia é reunir um grupo de amigos, bebendo, comendo e conversando. E nada mais.
“Não vemos como uma empresa, é um resgate cultural. Por que o que está acontecendo hoje já acontecia nas décadas de 1920, 1930, mas nas décadas de 1960 e 1970, isso foi deixado de lado”, afirma Valentin.
Alcides diz que “fazendo a cerveja acaba-se dando mais valor à bebida”. Os cinco se juntam semanalmente ou sempre que possível, em um local especialmente preparado com todos os equipamentos, na propriedade de Kohler.
Produzir a cerveja é uma terapia para os cinco amigos. “Podes fazer uma cerveja hoje, amanhã tu fazes de novo e não tem mais o mesmo gosto, sempre altera um pouco”, afirma Kowalsky.
Hoje, eles já produzem cervejas de vários tipos, como bock, weizen, entre outros, além da tradicional pilsen. “Muita gente ainda não tem conhecimento desses inúmeros estilos de cerveja”, afirma Kohler.
Histórias marcantes
Foi a cerveja que levou os cinco a se aventurarem a ir para São Francisco do Sul, no Norte do estado, para um festival cervejeiro em janeiro de 2014. “Conversamos entre nós: será que vamos ter clientela para a nossa cerveja?”, relembra Kohler.
Os cinco amigos, espertos e bem-humorados, resolveram não contar com a sorte. Em vez de apenas levar a sua produção de cervejas e esperar que o público viesse até a sua barraca, levaram o próprio público.
Kowalsky conta que encheram um ônibus com amigos e parentes e foram para São Francisco do Sul. A estratégia deu certo. Durante todo o festival, a barraca permaneceu cheia de visitantes, que ao longe já viam a aglomeração.
Momentos de integração
Os primeiros eventos eram mais amigos e amigos de amigos, era mais controlado. Hoje, não temos mais esse controle
No bairro São Pedro, a Eichenlaub Bier é um exemplo da nova geração cervejeira da cidade. Marco Aurélio Hodecker, engenheiro civil, Luan Carlo de Pinho, funcionário do setor administrativo, e Anderson Groh, estudante de Engenharia Química, começaram a fazer cerveja há pouco mais de um ano.
Tudo iniciou de forma bastante amadora, aprendendo a fazer pela internet. Depois que já haviam “pegado o jeito”, os três começaram a chamar amigos para eventos no sítio de um tio de Hodecker, onde há uma área de festas com espaço.
“Os primeiros eventos eram mais amigos e amigos de amigos, era mais controlado. Hoje, não temos mais esse controle”, conta Hodecker. No início, eram 20 ou 30 convidados; atualmente, o número ultrapassa 150.
O foco dos três é a comida típica de Guabiruba – o bom joelho de porco, por exemplo -, para harmonizar com as cervejas. Eles já produzem mais de dez estilos de cervejas, mas a cada evento são servidos de cinco a seis.
Hodecker conta que, ainda hoje, fazer cerveja junto com Pinho e Groh é um passatempo divertido, feito aos sábados e domingos. Cada produção leva, em média, 6 horas para ficar totalmente pronta.
As conversas com os amigos que vão aos eventos, feitos esporadicamente, a cada 40 ou 50 dias, compensam o esforço. Ele conta que até mesmo pessoas do estado de São Paulo foram à Eichenlaub, além de gente de São João Batista, Nova Trento e outras cidades da região.
Ainda que a ideia seja aumentar a produção, os três não querem perder a identidade – assim como a “irmã mais velha” Kiezen permanece na mesma essência. O rancho onde ocorrem as conversas tem mais de 100 anos de história, e a natureza no entorno permanece preservada. O clima calmo e o vento no rosto devem permanecer como um dos atrativos da Eichenlaub.