Nosso corpo é um labirinto. Nossa cidade é um labirinto. Veias abertas de américas, tanto latinas quanto não, sucumbem a velocidade vertiginosa de impressões caóticas. Mas me pergunto se não é possível nos divertirmos mais em labirintos sintomáticos. Percebendo, talvez, as pequenas barreiras como sinais. Não precisamos virarmos minotauros, podemos ter fios de ariadnes, impulsionados por teseus, quiçá tesãos. Talvez bastasse menos pressa, mais paciência consigo próprio. Rever o labirinto da cidade para entender o labirinto do corpo. Corpo e cidade se mesclam, um no outro, outro no um. Se meu corpo acelera envaidecido, abusado por tendências de consumo urgentes, então, é claro que a cidade só responderá a isso. E dessa forma terei uma cidade labirintosa de aparências vãs. Se minha cidade se enche de monumentos que a representam e ignora os locais segredo, as ruas sem saída, os bairros peculiares… bem, aí meu corpo se labirintisa em fogueiras crepusculares, exibicionista e cruel. Mas, se meu corpo é perene, alimenta-se de percepção e atitudes, a cidade estará num mesmo ritmo, e o labirinto será lúdico, calmo, sem pressa de achar o final do túnel, porque tudo é caminho a percorrer. Da mesma forma se a cidade se converte em um lugar de parcimônia, de compartilhamento, de esperança, por certo meu corpo irá criar labirintos surpreendentes e fortes, onde órgãos e sentidos compreendem-se mutuamente.
Ah, se não fossem os labirintos, que graça teria viver? Cada curva, beco, corredor. Cada corrente sanguínea, gargarejo, sorriso. Será que queremos mesmo sair do labirinto? Ou ele passa a justificar a nossa falta de tempo para tudo?
Caminhamos pelos mesmos lugares e movemos nosso corpo da mesma maneira. Vivemos em círculos viciosos e perdemos de vista a saída. Enquanto estamos dentro desta pseudo-liberdade, acreditamos que podemos arcar com a velocidade dos impasses e a ilusão da segurança. Mas chega o dia, os dias, que isso não basta. Tudo se repete de forma tão demarcada que já não há alegria, ou espanto. Então como robôs, largamos o ímpeto de herói e nos largamos a mercê do cotidiano. Deixamo-nos devorar pelos monstros, como virgens indefesas. Alimentamos a ordem pré-anunciada e num conformismo absurdo, cedemos a norma. Não somos infelizes, mas também não chegamos a entrar em contato com o enredo particular e subjetivo que prenuncia as trilhas de nossa existência.
Proponho que deixemos de temer os labirintos. Que tenhamos claro que são eles que podem nos fazer pensar em escolhas e, daí, a gente possa construir nossa própria história, com nossos heróis, princesas e monstros… Com valores estipulados por nós mesmos e não caprichosamente construídos pelo poder dominante.
Silvia Teske – artista