Dos escombros para os escombros: um povo que respira massacres, corrupção, injustiças e que arrasta os pés descalços todos os dias sobre os corpos desfalecidos da sua própria história. Uma linha do tempo atravessada pela miséria, pelo esquecimento e pela luta diária pela sobrevivência.

Uma terra, onde o governo democrático nunca criou raízes, ao contrário das colonizações, das ditaduras, dos golpes de estado e das intervenções americanas. Como se não bastasse o Papa Doc e Baby Doc, uma das mais sangrentas ditaduras da história no poder por cerca de três décadas. O país carrega até hoje a marca arrasadora da herança maldita que os maus ventos trouxeram ao seu povo.

O Haiti talvez possa ser a representação real do que descreveu Thomas Hobbes na sua metáfora, “o estado de natureza”: a luta de todos contra todos, pela sobrevivência imediata. Uma situação em que a vida se torna, mais uma vez citando o filósofo inglês, solitária, pobre, suja, brutal e breve.

São milhares de pessoas que viviam em favelas e alimentavam-se de terra e matavam a sua sede com água contaminada. Alguns governos enviam tropas de “apoio humanitário” para se utilizarem da experiência catastrófica desde povo, com o intuito único de treinar os seus soldados.

“O que o Brasil e a ONU fizeram em seis anos de ocupação no Haiti? As casas feitas de areia, a falta de hospitais, a falta de escolas, o lixo. Alguns desses problemas foram resolvidos com a presença de milhares de militares de todo mundo”? (carta de Otávio Calegari Jorge – pesquisador da UNICAMP em Porto Príncipe)

Se já não bastante a miséria, a necessidade de praticamente tudo, a corrupção e o massacre eterno do povo haitiano que vê as suas crianças sumirem em seus próprios corpos, os adventos naturais também sangram o país. Atualmente, o Haiti é o país com maior número de mortes (229.699) causadas por catástrofes naturais, segundo a ONU.
As lembranças ainda frescas dos mais de 200mil mortos no terremoto de 2010 ainda ecoam duramente entre o povo, onde mais de 3 milhões de haitianos perambulavam na tentativa de resgatar ou enterrar os seus próprios irmãos.
Após três anos de seca, causadas pelo fenômeno El Niño, a sequência de dor e desespero foi retocada pelo furacão Mattew, embora o número de mortos tenha alcançado até o momento a marca de 1mil pessoas, ainda não ultrapassa o número de pessoas que morrem em decorrência da cólera, que arrasou mais de 9 mil pessoas até agora.

 

“É a pior tempestade que o Haiti sofre em décadas, e todos os danos serão, sem dúvida, significativos. Mais de quatro milhões de crianças podem estar expostas aos estragos do furacão”, declarou o representante do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Haiti, Marc Vincent.

O retrato que se tem, é de um povo todo para muito além da beira do colapso, precisando de ajuda humanitária urgente, em situação de extrema vulnerabilidade, pessoas que diferentemente das que estamos acostumados a esbarrar: lutam hora a hora para continuarem vivas. A situação de caos e miséria deste pais é escandalosa.

E mesmo assim: ninguém é Haiti!

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Méroli Habitzreuter – escritora e ativista cultural