Olhei em volta do cemitério bem cuidado onde meu marido havia sido sepultado há pouco mais de uma hora, as lembranças tomavam minha mente enquanto uma lágrima solitária descia por meu rosto.
A poucas quadras dali havia um pequeno parque. No inverno as árvores adquiriam pequenos cristais de gelo. Bonecos de neve eram feitos por crianças da vizinhança e o lago se tornava congelado, sendo possível patinar sobre ele. Era exatamente para aquele lugar que minhas lembranças me puxavam agora, para exatos um ano, sete meses e dezesseis dias atrás.
— Antes de casar passa. —Eu dissera rindo ao ver Felipe Ricardo esfregar os próprios joelhos, após ter caído sobre o gelo do lago enquanto patinava. Ele erguera o olhar e sorrira de lado, um sorriso que sempre me tirava o folego.
— Então case-se comigo para que minha dor passe logo. —Lembro-me de ter ficado paralisada, mas de um ataque de riso se apossar de mim em seguida.
— Muito engraçado Lipe.
— Não estou brincando… –Ele mudara sua posição para ficar de joelhos a minha frente enquanto remexia nos bolsos a procura de algo, uma pequena caixa de veludo vermelha, que ao ser aberta revelou uma aliança de ouro, com uma pequena pedra vermelha no centro. — Case-se comigo Annabeth Marie.
Voltei à realidade enquanto mais lágrimas escorriam por minha face em um choro silencioso.
—Meus pêsames Annabeth.
Desviei os olhos do cemitério bem cuidado e olhei para o rosto impecável de Christina Paulina, os olhos azuis brilhavam cheios de lágrimas e seu corpo estava um pouco curvado para frente, ao invés da postura perfeita que sempre ostentava. Ela parecia realmente triste, mas tudo poderia ser apenas uma farsa, afinal a maioria das pessoas ali presentes, principalmente os membros da família Everwood sabiam esconder seus reais sentimentos.
— Obrigada. — Minha voz sai baixa, porém firme. Christina se aproximou mais alguns passos de mim passando os braços em volta de meu corpo. Respirei fundo e forcei-me a retribuir seu abraço, afastando-me um segundo depois. —Preciso ir, espero te ver em um momento mais propicio Christina.
Não fiquei para ver sua reação apenas segui por entre as lápides e estatuas de querubins em um ritmo firme com minhas mãos dentro dos bolsos do vestido preto e meus saltos fazendo um pequeno barulho ao passar por entre uma pilha de folhas secas.
— Por que está neste estado?
Senti meu corpo paralisar ao ouvir a voz desconfiada de Teresa Helen. Olhei para a origem da voz, notando que a pergunta não havia sido direcionada a mim, ela nem mesmo havia notado minha presença. Recuei alguns passos para que a sombra do grande carvalho ocultasse minha imagem.
— Preciso realmente lhe explicar? –Diz Camélia Santos em meio às lágrimas.
Observei melhor a cena, tendo o cuidado para não ser vista. Camélia Santos, cujos cabelos negros e sedosos hoje estavam presos em um coque mal feito e com os olhos verdes felinos vermelhos devido ao excesso de lágrimas. Olhava para Teresa Helena, uma mulher pequena com os cabelos loiros cortados rente ao maxilar e olhos azuis intensos.
Teresa estava de pé em frente à amiga com as mãos pousadas sobre os quadris a olhando desafiadoramente.
— Sim, precisa. Felipe era marido de Annabeth, mas você chora como se fosse seu. Você nem ao menos o conhecia direito.
Olhei ainda mais interessada a cena a minha frente, Tessa e Cams eram minhas velhas amigas, mas com o tempo, fomos nos afastando, cada uma envolvida em seu próprio emprego, casa e relacionamento. Pelo menos era o que eu pensava até alguns meses atrás.
Minha mente voltou no tempo novamente, para o dia em que mudou minha vida.
Cinco meses atrás
Eu e Felipe estávamos casados há um ano e riamos do filme sem lógica que havíamos escolhido, seus braços em volta de minha cintura e minhas pernas esticadas sobre o braço do sofá.
— Já volto. Vou ao banheiro. — Ele deposita um beijo em minha testa ao se levantar, enquanto um sorriso permanecia em meu rosto ao observa-lo se afastar em direção ao banheiro.
Voltei a olhar a tela da televisão, mas simplesmente não conseguia mais me concentrar, os minutos se passaram e ele não voltava. O som do chuveiro pode ser ouvido por mim enquanto um sorriso malicioso se formara em meu rosto, mordi o lábio inferior ao decidir ir até ele. Levantei-me do sofá seguindo pelo corredor lentamente como um felino indo até sua presa.
Parei em frente a porta do banheiro pronta para girar a maçaneta, sua voz me fez pausar o movimento.
— Sabe o que eu queria agora? — Meu sorriso malicioso se estendeu ainda mais ao ouvir o tom de voz sexy que usava. – Deslizar minhas mãos por seu corpo, me livrando de cada peça que você estiver usando.
Senti minha pele esquentar, meu corpo ansiava seu toque e minhas mãos ansiavam toca-lo. Girei a maçaneta, mas a porta estava trancada.
— Tenho de ir, depois nos falamos ela está aqui…. Eu sei, também te amo. —Sua voz saiu baixa, não queria que eu escutasse, mas estava próxima demais para não escutar.
Senti o gelo preencher meu corpo, minhas mãos agora tremiam sobre a maçaneta que de repente parecia quente demais ao toque.
— Amor? — Ele disse alto, mas não respondi, não conseguia. Nem mesmo o ar entrava e saia corretamente de meus pulmões.
— Eu…. Eu me lembrei que preciso pegar algo na casa de Cams. Se importa se continuarmos o filme depois? — Para minha surpresa minha voz soou calma.
— Okay, mas não demore amor.
Não respondi, peguei rapidamente meu casaco e botas, as calçando no caminho para o carro. Chegara rápido à casa de minha amiga, bati na porta que foi aberta rápido como se ela já me esperasse.
Camélia Santos foi gentil e escutou tudo com atenção, me consolando e tentando animar, dizendo-me que tudo podia ser apenas uma confusão. Até que depois de um pouco mais de uma hora, eu estava quase totalmente convencida de que realmente tudo não passara de um grande engano.
— Já volto, vou tirar os cookies do forno. – Ela dissera novamente animada me deixando sozinha no sofá. Seu celular vibrou anunciando uma nova mensagem, um pequeno sorriso surgiu em meu rosto e minha curiosidade fez com que eu me esticasse um pouco para espiar a tela.
“Amor, ela ainda está ai? Estou louco para matar a saudade de seu corpo. ”
Meus olhos se encheram de lágrimas ao reconhecer o número. Olhando para trás eu podia ver quão tola havia sido, quantos olhares e cumprimentos um pouco além do amigável eu ignorara. Foi assim que perdi um amor e uma amiga em um único dia. Levantei-me abalada indo em direção a porta, mas alguém me deteve, me segurando de modo suave.
— Anna? Está tudo bem? — Gregory Salvatore, o namorado de Camélia, Possuía os cabelos castanhos cacheados parecidos com os dos anjos de pinturas antigas e os olhos castanhos, geralmente meigos, agora estavam focados em mim de modo preocupado.
Tempos atuais
A realidade se apossou de mim novamente quando Camélia começou a explicar para Teresa sobre o caso que mantinha com meu marido, agora morto. Não fiquei para escutar o resto da conversa, me afastei do carvalho andando com a postura ereta e passos rápidos até o lado externo do cemitério.
Ando devagar pela calçada, os saltos estalando sobre o concreto. Felipe havia desaparecido há uma semana. Seu corpo encontrado somente no dia anterior dentro do lago congelado, ainda com os patins em seus pés. Obviamente estava patinando quando o gelo quebrou, fazendo com que ele caísse e ficasse preso debaixo do lago congelado. Um arrepio de medo, mas ao mesmo tempo satisfação cruzou meu corpo ao recordar o que realmente acontecera naquele dia, o que eu e meu cúmplice fizemos.
Parei ao lado de uma suv preta, coloquei meus óculos escuros e entrei sentando-me no banco do passageiro.
Quando se trata de um assunto doloroso as pessoas simplesmente aceitam a resposta mais óbvia e eu sabia disso. Virei o retrovisor em direção ao meu rosto por um momento, arrumando o batom vermelho.
— Como foi? — Diz Gregory Salvatore no banco do motorista.
— Ocorreu tudo bem. Afinal, eu sou Annabeth Marie Everwood e os Everwood sabem esconder suas emoções como ninguém. — Olhei para ele com um sorriso cumplice e pisquei o olho direito.
— Para onde vamos? — Ele diz com um sorriso igualmente satisfeito.
— Qualquer lugar bem longe daqui. — O moreno se inclinou sobre o freio de mão para depositar um beijo suave sobre meus lábios, passando a mão levemente por meu pescoço. Se afastou e ligou o motor dirigindo em direção ao horizonte.
Isabeli Nascimento – Acadêmica de jornalismo