De onde é? Um azedume velho, misturado com morte até. Vômito evaporado, me desorientando de nojo e projetando imagens bagunçadas sobre o que aquilo podia ser. Nem janelas fechadas surtiam efeito, o cheiro se diluía em cada fresta e me encontrava sem cessar. Correndo entre 80 ou 90 de distância e tempo, era o que marcava o painel, tive a chance de alcançar os 100 na esperança de ar puro e o alívio das náuseas. Mas nada de resolver. Outros carros lá e cá, pessoas e casas por ali também, e eu matutando se alguém mais estava embrulhado e indignado. De onde vem? De súbito avistei. Carregado de restos, de tudo que passa por nós, de histórias orgânicas, plásticas, de celulose, de vidro, de pelos e fios, de saliva, diarreias, sangue, bichos mortos, de gente. Tudo lixo. Um pouco de mim ali. Um transportador gigante de segredos e passado fétidos.
Não tinha jeito de ultrapassar, pois o fluxo era intenso. Tanto que fazia jus à intensidade daquelas sobras. Montão de gente, montão de lixo. Sem qualquer opção, nem parar o carro me salvaria pois a nuvem podre abraçou quilômetros, me vi obrigada a aceitar e cheirar, sentir, saborear. Me acostumei, assim mesmo, com o mal-estar que sou corresponsável.
Karline Beber Branco – professora e mãe