O mundo está cheio de sereias. Esperamos vê-las em sua forma fantasiosa com metade do corpo de mulher e a outra metade de peixe. Colocamos as sereias como um ser mitológico e fantasioso, seguras dentro deste formato de mito. No entanto, trago aqui a ideia de sereia pelo seu aspecto paradoxal. Já dizia a música A Novidade dos Paralamas do Sucesso: “[…]Na qualidade rara de sereia\Metade o busto de uma deusa maia\Metade um grande rabo de baleia\A novidade era o máximo\Um paradoxo estendido na areia\Alguns a desejar seus beijos de deusa\Outros a desejar seu rabo pra ceia…”. O paradoxo a que me refiro é essa dualidade nosso desejo e nossa obrigação. Entre o homem sensível e o animal racional. Entre o que vislumbra metáforas e mitos e aquele que aposta na verdade factual.
Mas não somos feitos apenas de uma coisa ou outra, é essa combinação idiossincrática que nos forma. Somos, e não podemos ignorar isso, encantados pelos cantos de sereias. Elas se apresentam a nós em formas múltiplas, e seu canto nos seduz também de diversas maneiras. Me questiono se não seria então, muito importante para que não caiamos na mesmice de sermos reféns de verdades circunstanciais, que estivéssemos atentos e assumíssemos os cantos que nos seduzem, as sereias que nos capturam para seu lar nas profundezas: lugares-comuns, como avareza, desejo, paixão, raiva,competição, exibicionismo…enfim, os pecadinhos humanos que evitamos ao máximo, mas que se olhados de perto, todos temos em maior ou menos proporção.
Penso que se ouvíssemos os cantos de nossas sereias, se déssemos a mão a palmatória, mostrando-nos frágeis, capturáveis, desiguais…teríamos uma chance maravilhosa de caminhar dentro desta nova ótica que assombra o mundo, tendo a chance de perceber que esse caos contemporâneo que se apresenta nada mais é que um novo despertar do humano, que retoma seus sentidos mais surpreendentes, até agora evitados, ocultados, disfarçados…mas que agora, com essa nova geração que aí está, aparece sem máscaras, quase virgem em suas atitudes destituídas de civilidades, mas que mais que factuais anunciam verdades, anunciam um jeito, que por mais desmedido e esquisito que nos possa parecer, buscam devolver a humanidade ao homem.
Silvia Teske – artista, professora…