Nas últimas semanas estou convivendo intensamente com os poemas. Eles que nos salvam desse caos cotidiano e são tão esquecidos, deixados para uma “ocasião especial” ou então viram postagem superficial para impressionar.

Sempre gostei deles e quando passei a recolhê-los como material de trabalho fui direcionando minhas escolhas, minhas preferências. Claro que o grande critério para mim, que sou da palavra falada, é a sonoridade, é a beleza que o escrito adquire quando vira voz. E pensando bem, acho que a origem do poema como gênero literário, é essa. O poema nasce para ser dito e ouvido. A escrita é um mero registro.

Precisava fazer uma seleção de poemas para formar o repertório de um espetáculo. Será a primeira montagem de um dueto recém-nascido, feito com o parceiro percussionista Marcio Bicaco. Fui recolhendo poemas: uns que fizeram parte de outros repertórios e nunca mais falei, outros que gostava e sempre quis decorar, outros que descobri garimpando recentemente.

Nesse passeio conversei mais intimamente com Fernando Pessoa. Uma vez recitei “Todas as cartas de amor” no musical “Quadrilha” montado pela Assac no Anfiteatro da Unifebe, há 17 anos. Também conhecia “Aniversário” e “Poema em linha reta” na voz inconfundível do grande ator Paulo Autran. Mas nem esses e nem os versos das cartas de amor (que ainda estão na memória) foram minhas escolhas neste momento. Do poeta português me aventurei a duas novas belezas, uma que requer fôlego e outra delicadeza.

Num outro musical que participei, no mesmo palco, ao abrir as cortinas vermelhas de veludo, recitava um irônico Mário Quintana. Isso foi em 2003. E nunca mais. O resgate ocorreu sem dor: ao reler duas ou três vezes, veio tudo, fresquinho, como se tivesse sido ontem. Do mesmo simpático gaúcho escolhi um poema-conto, que conheci narrado num filme de curta-metragem, acompanhado de imagens feitas de massinha de modelar. Uma historinha que beira o infantil, que joga com a imaginação, desconstrói sensações e mostra sua força no arremate.

Também narrativos e categorizados como infantis, trago um Rubem Alves e um Manoel de Barros – este que não me conheceu mas é meu avô (pelo menos assim eu considero e isso é tudo). Tem um soneto do Poetinha e uma delícia do Drummond, além de um trecho simbolista do maior poeta catarinense. Os versos faziam parte de uma peça da época do colégio. Nem era eu que dizia, mas nunca mais esqueci aquela sequência de Cruz e Souza.

Junto com tudo isso, num caldeirão de obras de arte, borbulham muitas peças de percussão executadas por meio do vibrafone, calimba, bumbo leguero, castanholas e tudo mais que de som passe a ser poesia.

O espetáculo recebeu o título de “Desata: nós” e será apresentado na sexta-feira, dia 28, como parte da programação do IX Festival de Inverno de Brusque, promovido pela Fundação Cultural. Será às 20h, no Instituto Aldo Krieger, com entrada franca.


Lieza Neves
–  – atriz, escritora, produtora cultural…