Encanta-me a linha que caminha intensificando espaços. O desenho que se forma independente de figuras e anseios. Gosto do movimento inesperado do gesto. Sem ensaio. Sem reminiscências. A independência de ir-se, aglomerar-se, isolar-se. Não temer a pressa e nem a calmaria. Ir-se, voltar-se, embrulhar-se, rasgar-se. Fascina-me a transitoriedade do traço, seu íntimo ritmo de impermanência, de desilusão. O acaso das atmosferas entrelinhas, cabisbaixas em seu poder. Solícitas em sua possibilidade. O contorno do nada. De tudo. A rapidez do envolvimento e da soltura, que lhe transforma em aspiração. Seduz-me essa imagem em ação que não fica a mercê de eloquências, mas caminha na certeza de futuro. Ao mesmo tempo, encarnada em memórias, aparentemente triviais, age com a liberdade dos infantes. A linha não teme os perigos, enfrenta-os, com uma coragem inocente. Arrisca-se em seu traçado a tornar-se ridícula. Não  exibe-se para cometer aplausos. Ela ousa, ah…delícia de tornar-se o nada. Felicidade clandestina de poder ser apagada, rabiscada, tola. O desenho comete pequenos deleites. Resiste, mesmo que vil, ao serpentear das estações. O risco sobre o papel cria um mundo totalmente novo. Único. Permissível, em sua desiderata descabível. A linha do varal a comprometer vestimentas. O fio da pipa a convidar ao voo. Impulsivo ou prepotente, quando o traçado se encarna, promove ligeiras prosopopeias, inaugura estandartes, farta. Falta. Ah, o deleite da falta…! O regozijo da incompletude. O bordado que lavra ardências em mãos de carência. A linha divisória que, se bem notada, mostra o possível estado de abertura, que qualquer separação dispara. Deslumbra-me de prazer saber que ao alinharmos nossos desejos, podemos ensaiar liberdades.


Silvia Teske
– artista