Um personagem que teve atuação fundamental para que o Brusque conquistasse a Copa Santa Catarina de 1992 atuava fora das quatro linhas, da casamata, do departamento médico, e até da diretoria relacionada mais diretamente com o futebol: o advogado Eder Gonçalves, que era, na época, o diretor jurídico. Ele corrigiu uma falha nas inscrições do clube utilizando uma falha da Federação Catarinense de Futebol (FCF), e acabou recolocando o quadricolor na rota do título.

Primeiros anos

A história de Eder Gonçalves com o Brusque remonta a cinco anos antes, em 1987, com a fusão entre Carlos Renaux e Paysandú. “Meu sogro, Rubens Facchini, já fazia parte do estafe, com dirigentes que estavam negociando [a fundação do Brusque]. Quando o clube surgiu, os assuntos internos eram tratados pelo doutor João Schöening, que era advogado do Paysandú. E em 1988, 1989, com os problemas desportivos, eu fui chamado para participar mais.”

Ao longo dos primeiros anos do Brusque, não eram incomuns os casos de objetos arremessados no gramado, agressões e processos de perda de mando de campo. Um dos mais inusitados foi o chamado Caso das Toalhas, quando o supervisor quadricolor, Nilo Debrassi, teria oferecido dinheiro embrulhado em toalhas ao árbitro Luiz Orlando de Souza para favorecer o Brusque em uma partida contra o Figueirense. Debrassi acabou absolvido no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

“E em 1992, fui convidado para assumir a diretoria jurídica na gestão do seu Chico Wehmuth. Foi quando participei mesmo como diretor do clube. E todos os problemas que surgiam — e que não eram poucos, já havia surgido alguns anteriores, muito complicados”, completa Gonçalves.

Escalação irregular e a vírgula

O caso mais complicado foi o de junho de 1992, na Copa Santa Catarina, quando o Brusque foi eliminado nas quartas de final pela alegada escalação irregular do meia Cláudio Freitas. Saindo do banco, o ex-jogador do Grêmio havia estreado marcando o gol do jogo de ida contra o Tubarão (que deixava de ser o Ferroviário naquele ano). Na volta, no Augusto Bauer, anotou um dos três gols na vitória por 3 a 1.

“O Cláudio Freitas era um craque de bola, fantástico. Um jogador de nível de Seleção Brasileira, na minha opinião. Eu não vi jogador no Brusque tão bom como ele, craque”, comenta.

O regulamento era claro quanto aos períodos de inscrição dos jogadores na Copa Santa Catarina. Uma curta resolução posterior da própria FCF tinha o objetivo de reiterar o prazo original, mas, conforme relata Eder Gonçalves, havia uma vírgula que tornava o texto ambíguo.

“Uma vírgula, que agora não me recordo qual, estava fora de lugar. E aquela vírgula dava a entender que era possível [inscrever jogadores]. Mas nosso diretor [Caloca Pereira] não sabia disso, ele inscreveu porque entendeu que podia.”

Eder Gonçalves ficou sabendo do problema quando chegou ao estádio Augusto Bauer para assistir a Brusque x Tubarão, em 7 de junho. “Era um alvoroço tremendo, e eu não sabia de nada. A imprensa veio. ‘o que o senhor acha desta punição de tirar cinco pontos do Brusque por causa do Cláudio Freitas?’ E eu dizia ‘não, nós vamos analisar…’ e o Caloca atrás, tentando me falar sobre a resolução. E eu sem entender nada”, relembra.

Brusque Copa SC 1992
Nota na coluna Encontro, de Ruy Queluz, na edição de 19 de junho de 1992 de O Município.

Vivendo uma sequência de dez partidas sem derrota, o Brusque estava eliminado da Copa Santa Catarina. Os jogadores ficaram desolados após serem informados, e a diretoria chamou a responsabilidade para si. Contudo, foi durante uma reunião da diretoria, o advogado percebeu a ambiguidade da vírgula empregada. Era possível reverter a situação, e Gonçalves deixava claro à equipe que conseguiria.

Rumo ao Rio

O diretor jurídico pensava sobre o caso durante viagem a Florianópolis com o então diretor de futebol Rubens Facchini. O destino era a sede da FCF, para entrar com um pedido de recurso. Quando a dupla estava passando por Tijucas, a ideia apareceu.

— Volta! — exclamou Gonçalves — Vou mudar a estratégia!

— Tá louco? — respondeu Facchini — O prazo tá acabando, são os últimos dias pra recorrer.

— Não. Não. vou entrar com um mandado de garantia direto no STJD. Aqui em Santa Catarina, nós não vamos ganhar.

O mandado de garantia é uma medida administrativa da justiça desportiva. O plano era recorrer diretamente ao Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), no Rio de Janeiro. Ou seja, seria pedido ao STJD para que fosse cassada a decisão da FCF de eliminar o Brusque, considerando que esta decisão contrariava a resolução que, de acordo com o clube, permitia a inscrição de jogadores quando Cláudio Freitas foi inscrito.

“E não íamos mesmo [ganhar em SC], já estava decidido na Federação. Aí mandei para o Rio de Janeiro. Fui para o Rio uma primeira vez e pedi ao presidente do STJD para não homologar as finais. Pedi para parar o campeonato, mas era difícil, não tinha como. E então pedi para não entregar a taça depois que houvesse a final. Também não era possível. Mas a final da Copa Santa Catarina não seria homologada enquanto o caso do Brusque não fosse julgado. O campeonato continuou, o Araranguá fez a final com o Inter de Lages e venceu.”

A pedido da FCF, o processo foi adiado diversas vezes, com Gonçalves indo ao Rio de Janeiro em vão. Como o advogado havia afirmado ao elenco que o clube venceria o processo, alguns jogadores buscavam atualizações. Na época, o ponta Feijão era um dos que mais “cobrava” Eder pela volta do Brusque à Copa SC, brincando com o advogado. “Eu entrava em um dia de treino lá e ele já gritava ‘aí, doutor, cadê a taça?'”, relembra explica o ex-diretor jurídico do Brusque.

“O seu Rubens foi o diretor que incentivou e bancou o negócio para que não desistíssemos. Eu não queria desistir de jeito nenhum, porque havia fundamento. E na sétima reunião do STJD, o relator colocou em pauta, e foi sete a zero para nós”, completa.

Com a vitória, Eder pôde entregar a boa nova à equipe, e entregar o resto da tarefa a Feijão: “Aí, Feijão, vai buscar a taça agora (risos).”

Brusque Copa SC 1992
Nota na coluna Encontro, de Ruy Queluz, na edição de 23 de setembro de 1992.

De volta à Copa

Era necessário retomar a Copa Santa Catarina, em momento no qual o Campeonato Catarinense estava sendo disputado há meses. O Araranguá havia eliminado o Tubarão nas semifinais e vencido a competição em cima do Inter de Lages. Nada disto havia sido homologado, e a semifinal entre Araranguá e Tubarão foi anulada. A equipe acabou não jogando as novas semifinais com o Brusque.

“O presidente do Araranguá ficou muito chateado, porque tinha ouvido alguém do Brusque prometer que o clube iria deixar por isso mesmo. Mas não tinha como. (…) O pessoal de Araranguá era muito gente boa. Eles não queriam terminar o campeonato antes do processo, o presidente já havia se manifestado desta forma.”

Brusque Copa SC 1992
Nota da coluna de Toni Nicolas Bado no Correio Regional, em 2 de outubro de 1992

O Brusque foi campeão da Copa Santa Catarina, mas não foi possível descansar sem um outro caso polêmico. Cidão jogou as finais com acúmulo de cartões amarelos, com o respaldo do próprio Eder Gonçalves. A contagem de cartões na Copa Santa Catarina era zerada para o Campeonato Catarinense. As finais da Copa SC foram disputadas em meio ao campeonato estadual. De acordo com o advogado, a regra não contemplava a hipótese de jogos da Copa SC serem disputados após a data prevista para o fim do campeonato. Portanto, era possível escalar o lateral.

A princípio, a FCF tentaria eliminar o Brusque novamente, alegando irregularidade na escalação de Cidão. “Eu e seu Rubens ligamos para o Delfim [de Pádua Peixoto Filho, presidente da FCF de 1985 a 2016]. O seu Rubens disse: ‘se tirar desta vez, não vai ser só processo, vai ser processo por indenização contra a federação’. E o Delfim baixou uma resolução dizendo que os cartões estavam mesmo zerados. O quadricolor era mesmo campeão.

Brusque Copa SC 1992
Matéria de O Município na edição de 13 de novembro de 1992.

O título causou mudanças na classificação geral do Catarinense. O Araranguá, que teria um ponto extra pelo título, não tinha mais. Agora, era o Brusque quem tinha o ponto extra.

Com isto, o quadricolor chegou aos 30 pontos e ao segundo lugar, podendo disputar a final da Taça Governador do Estado contra o Criciúma, no lugar do próprio Araranguá. O ponto também influenciou nos cruzamentos das quartas de final do Campeonato Catarinense.

“Foi um ano emocionante. Para mim, o ano mais interessante na minha atividade desportiva”, relembra Gonçalves.

Depois de 1992, o advogado não esteve mais tão presente no Brusque, mas seguiu parte de sua carreira no direito desportivo, defendendo equipes do município em competições como os Jogos Abertos de Santa Catarina. Sua trajetória profissional se voltou mais ao direito tributário. Entre 1998 e 2000, presidiu a seção de Brusque da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

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Eder Gonçalves recebe homenagem na seção de Brusque da OAB, em 2021 | Foto: Arquivo OAB Brusque