Mulher, negra, violentada. O que parece manchete atual, na infelicidade de não termos superado resquícios históricos, é a descrição de Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares.

Na semana passada, ao assistir diversas manifestações sobre a Semana da Consciência Negra, conheci esta história. Depois da admiração por esta mulher, me indaguei o porquê de nunca ter lido sobre ela ou visto seu nome e sua trajetória em meus livros de História.

Em 1665, em Angola, aconteceu a Batalha da Ambuíla e, nela, uma princesa foi capturada. A filha do rei foi trazida para o Brasil, por diversas vezes foi estuprada e virou escrava reprodutora. No entanto, como nobre, tinha estudo e poder de estratégia, e assim, organizou uma fuga e orientou outros escravos. Foram para a região onde se firmou o Quilombo dos Palmares e lá tornou-se governante, graças a seus conhecimentos de política, organização e guerra. De sua filha Sabina, nasceu Zumbi.

A trajetória de Aqualtune não aparece nos livros oficiais porque, como muitas, trata do protagonismo feminino e, ainda, da versão dos oprimidos. Para conhecer histórias como estas, a Internet acaba sendo uma brecha e uma contracorrente. Na rede podemos saber de relatos de pessoas comuns, opiniões de desconhecidos, lutas de marginalizados. Nela, na semana passada, vimos que muita gente não vê sentido no Dia da Consciência Negra, por achar que “todo dia é da Consciência Humana”, numa tentativa de se esquivar da reflexão que a data propõe.

A celebração ocorre em 20 de novembro pois, neste dia em 1695, morreu Zumbi dos Palmares. O Quilombo foi mais do que esconderijo de escravos – ideia que nos foi ensinada como leitura de que “quem se esconde fez algo errado”. Tornou-se uma sociedade alternativa, organizada, democrática, em pleno século XVII, em plena escravidão. Foram cerca de 20 mil pessoas que viveram ali. Foram mais de 100 anos de existência. Foram 17 expedições militares que não conseguiram derrotar Palmares.

Esta data tem de ser lembrada e estas histórias têm de ser contadas, pois trata-se do feito simbólico da liberdade e da independência mais importante do Brasil. Talvez isso deva ser a inspiração para o termo “consciência negra”, como proposta de reflexão, de autoconhecimento e de busca por direitos iguais. Talvez seja o dia em que mais se deva pensar na provocação feita pela professora e socióloga americana Jane Elliott: “Eu quero que todas as pessoas brancas nessa sala, que ficariam felizes se fossem tratadas como essa sociedade, em geral, trata os cidadãos negros, por favor, se levantem”. Ao perceber que ninguém ficou de pé, ela arremata: “Isso mostra claramente que você sabe o que está acontecendo, você sabe que não quer isso pra você. Eu gostaria de saber por que vocês estão aceitando e deixando isso acontecer com os outros”.  Para pensar. E agir.


Lieza Neves
– atriz, escritora e produtora cultural