Bruno da Silva
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A quarta gravidez de Mailin Eckert, 41 anos e moradora da localidade Travessa Lagoa Dourada, deve virar um livro. Contra todas as probabilidades, ela deu à luz a Leonardo e, passando por provações e cirurgias, sobreviveu para contar a história. Mesmo tendo ficado perto da morte, apoiada na fé e no amor, viveria tudo outra vez pela vida do seu pequeno milagre.
Mailin soube da gravidez pouco tempo depois de abrir uma clínica estética no Jardim Maluche, em 2022. Ela estava em um momento muito positivo profissionalmente e ter o seu negócio era um sonho realizado. Duas semanas depois, porém, recebeu a notícia que mudou a sua vida.
Ela já era uma mãe experiente e, após sofrer um sangramento, descobriu que estava grávida, mas, desta vez, a gestação era praticamente impossível. O embrião havia se fixado na cicatriz de uma cesárea anterior, algo muito raro. Por causa do risco da gravidez, especialistas orientavam a realização de um aborto. Esta, porém, nunca foi uma opção para ela.
Médicos não aceitavam o caso
Inicialmente, o médico sugeriu aguardar um tempo, já que existia a possibilidade do saco gestacional migrar em direção ao útero. Não aconteceu.
Algumas semanas depois, Mailin passou por um ultrassom e o diagnóstico é que ela desenvolveria acretismo placentário, doença que causa uma grande hemorragia na hora do parto. Mesmo com o risco à sua vida, Mailin se apoiou na sua fé em Deus e não abriu mão da gestação. “Eu e meu marido nunca discutimos a opção de abortar”.
Ela, porém, teve dificuldades inclusive para conseguir um médico que aceitasse realizar seu parto. Eles não acreditavam que ela pudesse sair com vida. Cinco ginecologistas rejeitaram o caso.
“O bebê sobreviveria, mas eles sabiam que teriam que trazer para o pai a notícia do óbito da mãe. Fui a um médico renomado em Blumenau, mas ele também não aceitou porque achava que não era uma gestação viável e só tinha visto isso na literatura. Nunca passou pela minha cabeça o aborto, mas chorei todos os dias da minha gestação, porque a única certeza que eu tinha é que eu iria morrer”, lembra.
Devido ao seu diagnóstico, Mailin vendeu a clínica três meses depois da inauguração. “Não ia deixar essa burocracia para o meu marido, que teria que cuidar sozinho de quatro filhos”.
Além disso, os gastos para seu parto eram altíssimos. Ela precisou contratar um cirurgião vascular, um coloproctologista, urologista, neonatologista, pediatra e ginecologista, além da diária da UTI.
A esperança
Com o passar do tempo, o bebê foi crescendo e adentrando o útero. Porém, a placenta ficou para fora. Mailin precisou ficar de repouso, deitada, praticamente durante toda a gestação.
“Quando meus filhos iam para a escola, era o fim do mundo porque era um silêncio absoluto. E muita gente da minha família me julgava porque eu já tinha três filhos. Minha mãe também era contra, ela era técnica de enfermagem e sabia como era arriscado”.
Para conseguir um médico que a atendesse, ela foi encaminhada por uma cunhada para um médico do SUS de Brusque, para que ele fizesse uma carta para encaminhá-la a um atendimento de alto risco em Blumenau. Ele também recusou.
“Ele disse que não ia fazer a carta, que não ia perder tempo porque eu ia perder o bebê”, conta Mailin, que estava grávida de cinco meses. Ele inclusive foi denunciado ao Ministério Público e condenado a pagar a distribuição de informativos contra a violência obstétrica. “De vez em quando, eu vejo esses panfletos no Hospital Azambuja”.
Ela conseguiu ser encaminhada ao Hospital Santo Antônio, de Blumenau, pela Secretaria de Saúde. Em sua primeira consulta, levou uma folha A4 cheia de perguntas, já que havia pouco material disponível sobre o acretismo placentário. Foi atendida inicialmente por uma estudante, que imediatamente chamou o seu chefe devido à complexidade do caso.
Neste momento, Mailin caiu em lágrimas, mas também encontrou esperanças quando conversou com o médico que fez seu parto, Eduardo José Cecchin.
“Eu dizia que não queria morrer. Pedi que o médico fizesse alguma coisa para me trazer viva. Não me esqueço que ele puxou a escadinha da maca para sentar, olhou nos meus olhos e disse que eu não ia morrer. Disse que seria muito desafiador, mas que poderia confiar nele”.
A partir deste momento, Mailin passou a fazer ultrassons semanalmente e consultava com o profissional a cada 15 dias. Sua placenta, porém, estava crescendo de forma muito acelerada. “Era como um tumor. Só eu sentia o meu bebê, porque a placenta estava muito espessa. Eu não conseguia nem sentar, então era difícil ir para Blumenau. Eu ia deitada de lado no banco de trás por causa da dor”, relembra.
Despedida
Com o avanço da gestação, a bexiga de Mailin foi tomada e ela não tinha mais controle urinário. Preocupado com a situação, o médico definiu que, quando o intestino começasse a ser afetado, seria a hora de realizar o parto. Por isso, com cerca de seis meses de gravidez, ela solicitou que fosse internada para evitar que tivesse que passar por um parto às pressas.
Foi o momento que ela teve que se despedir dos filhos, da mãe, familiares e amigos. “Ali caiu a ficha de que talvez eu não voltaria para casa”. Ela ficou 15 dias internada, com muitas dores. Pouco tempo após chegar ao hospital, seu intestino começou a parar e, alguns dias depois, foi marcado o parto.
O parto
Nos preparativos para o parto, Mailin sentia que talvez não sairia viva do centro cirúrgico, mas, ao mesmo tempo, quando acordou no dia da cirurgia, se sentiu positiva e, pela primeira vez em muito tempo, sua pressão arterial baixou.
O parto foi acompanhado por muita gente, devido à curiosidade dos profissionais e de estudantes em relação a um caso tão peculiar. Mailin autorizou que o parto fosse filmado para que depois pudesse ser utilizado para estudo e desse esperança para outras mães.
Em suas casas, 80 mulheres que foram ao chá de bebê de Mailin acenderam velas entregues por ela.
Os órgãos afetados precisavam ser raspados para a retirada da placenta. Durante a gravidez, ela recebia injeções diárias na barriga para afinar o sangue para manter o bebê vivo, mas aumentava o risco de hemorragia. Uma campanha, divulgada também pelo jornal O Município, pediu doações de sangue para o procedimento.
Mailin recebeu a anestesia local e o primeiro passo foi reconstruir a bexiga. Após duas horas, ela recebeu a notícia: a primeira etapa estava concluída. O próximo passo era a retirada do bebê.
O berço aquecido para o bebê prematuro, que nasceu com cerca de seis meses e meio, já estava na sala. Mailin tinha uma anestesia feita até a altura do umbigo e, quando os médicos partiram para a retirada do filho, perceberam que a placenta estava maior e mais esponjosa do que o imaginado inicialmente. Não conseguiam acessar o útero.
Ela, então, precisou de um corte maior na barriga, mas ele foi além do ponto anestesiado e Mailin sentiu uma dor desesperadora. Gritou três vezes que iria morrer. Neste momento, o anestesista levantou rapidamente e aplicou algo que fez o soro borbulhar. Depois disso, ela apagou.
Novos desafios
Devido à anestesia geral, Mailin sofreu três choques hemorrágicos e ficou entre a vida e a morte durante 20 minutos. Apesar de todos os desafios, porém, ela e o filho Leonardo sobreviveram àquele dia 29 de agosto de 2022 para contar a história.
“Meu filho e eu fomos intubados. Ele foi para uma UTI e eu para a outra. No dia seguinte, quando meu marido foi me ver, eu abri o olho e pensei “aqui está muito gelado para ser o inferno, acho que sobrevivi”. Eu fui extubada e chamaram o médico. Quando o doutor Eduardo chegou, ele chorava, chegava a soluçar por me ver acordada, contando que saiu da cirurgia encharcado de sangue e suor”.
Após uns dias, ela conseguiu ver o bebê e ganhou alta. Eles alugaram uma casa em Blumenau para ficar enquanto o filho continuava no hospital. Ela ainda estava muito fraca e usava sonda devido à cirurgia na bexiga.
Após 13 dias, teve alta. “Meus filhos estavam me esperando em casa. Mas quando a médica tirou o primeiro ponto, minha barriga abriu inteira. Dava para ver meu intestino, ficou um buraco”. Ela foi levada às pressas ao Hospital Santo Antônio e eles descobriram que a parede interna da barriga não havia cicatrizado devido a uma infecção.
Mailin passou por uma cirurgia de seis horas onde teve os órgãos retirados para a realização de uma limpeza interna. Quando acordou, recebeu a notícia de que eles não poderiam mais fechar sua barriga e que teria que ficar internada por cerca de um ano para que ela fechasse naturalmente.
“A barriga estava aberta, tinha um rombo, dava para ver os órgãos internos. Eu guardo fotos, mas prefiro nem olhar. Eu disse que não poderia ficar internada todo esse tempo”. A outra opção era a realização de um procedimento chamado terapia hiperbárica no Hospital Santa Catarina, com um custo alto, não coberto pelo plano de saúde que ela tinha.
Neste tratamento, o paciente respira oxigênio puro enquanto é submetido a uma pressão de duas a três vezes a pressão atmosférica a nível do mar, no interior de uma câmara. Ela provoca um aumento na quantidade de oxigênio transportado pelo sangue – cerca de 20 vezes o volume normal. No caso de Mailin, ela ficava duas horas dentro da câmara para acelerar o processo de cicatrização.
Durante meses, ela passou por esse tratamento. Mailin voltou para casa após a cirurgia, mas precisava ir de Brusque até Blumenau literalmente segurando sua barriga para que os órgãos não saíssem. Ela passava por esse processo, que causava uma sensação horrível, de segunda-feira a sábado, incluindo feriados, e ainda ia com frequência a Itajaí para outro tratamento com plasma de sangue. Foram, no total, 70 sessões e mais de R$ 40 mil investidos.
“Viveria isso mil vezes de novo”
Ela ficou quatro meses sem andar. Além dos tratamentos, precisava ir para Florianópolis para realizar a perícia para liberar o seu marido, policial militar, do trabalho.
“Por dentro, ainda tenho 12 centímetros separado de um músculo para o outro na barriga. Passamos a viver de doação da igreja, rifas. Eu não conseguia mais trabalhar e os gastos eram exorbitantes. Mas passou e eu sobrevivi. Meu bebê veio perfeito”.
Mailin demorou para voltar ao seu trabalho de estética e passou a vender doces, mas, aos poucos, conseguiu retomar, trabalhando de casa. Até hoje, ela sente dores, continua realizando vários tratamentos e tem limitações físicas.
Mas Mailin não tem dúvidas: passaria tudo outra vez pela vida do seu filho. “Viveria isso mil vezes de novo com certeza. Ainda vou publicar um livro sobre isso”.
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