Eu gosto de pensar sobre memória. Como área de estudo, também como registro, a memória do que guardamos, informações, imagens, sons, cheiros, sonhos, até o mais intrigante déjà vu. Volta e meia analiso meu próprio mecanismo de memorização, me surpreendo com algumas capacidades e lamento a dificuldade com outras.

No caminho para Curitiba para passar o feriadão, meu irmão colocou no som do carro músicas de um pendrive, fez uma seleção anos 90/2000. Fomos e voltamos e nenhuma música se repetiu, o que me faz admirar a capacidade do pequeno dispositivo. Teve Spice Girls, Banda Eva, Ace of Base, Paralamas. E eu lá cantando tudo! Algumas músicas não ouvia há uns 20 anos e a letra vinha sem problemas, de cabo a rabo, com os “uuhuuu”, “aaahh” e as pausas. Lembrei até que o Pimpolho é um cara bem legal, gente!

Algo semelhante ocorreu esses dias em que assisti a uma missa e, mesmo depois de anos sem frequentar, lembrava de todas as respostas que tinha que dar, a cada oração do padre. Como lembro a música da propaganda da pizza com guaraná. E a da pipoca.

Me surpreende a coleção de memórias inúteis, aquilo que eu nem queria ter guardado e está lá, ocupando espaço. Eu sei nomes de personagens de novelas, o texto do comercial do Festival de Dança de Joinville de mil novecentos e bolinha, o jingle da Festa do Pinhão da mesma época, o Abecedário da Xuxa, os bordões dos Trapalhões, da Escolinha do Professor Raimundo e Sai de Baixo. Será que a memória da cabeça da gente tem limite? Assim, algumas informações estão ocupando o lugar de outras?

Porque, por outro lado, esqueço de datas, sequências históricas, e textos que um dia já tinha decorado e apresentei. Por que não escolhemos exatamente o que lembrar e o que deletar? Por que a cabeça da gente não poderia ser um grande pendrive, em que pudéssemos controlar o que entra, o que fica, o que é excluído?

Acho bonita a origem do termo “saber de cor”, que vem do francês “savoir par coeur”, ou seja, “saber pelo coração’. Porque para os antigos gregos o coração era a fonte da sabedoria, do conhecimento, não o cérebro. Me leva a concluir que guardo tanta tranqueira no coração, da Ragatanga ao tema de Tieta. O “pepino Califórnia, Califórnia babalu” também está lá.

Não dá pra formatar e perder tudo, nem selecionar o que enviar pra lixeira. Um arquivo não substitui outro em desuso. Vai-se somando informações. Aí dá pane, a gente esquece o nome do colega da escola, uma receita, um lugar visitado. Eita maquininha complicada, ainda em fase de testes.

 

Lieza Neves – atriz, escritora, produtora cultural…