Você provavelmente já ouviu falar da caça às bruxas. A perseguição política, religiosa e social às chamadas bruxas, teve seu ápice entre os séculos 15 e 17. Durante aproximadamente 400 anos, homens e mulheres eram perseguidos, torturados e mortos. Estima-se 200 mil mortos, e alguns historiadores chegam a conta de 9 milhões. Dentre os condenados por crimes de bruxarias, a grande maioria eram mulheres. Estas, eram camponesas que viviam sozinhas, por serem viúvas ou solteiras, mulheres ligadas ao conhecimento e uso de ervas para uso de curas, parteiras, e até terapeutas.
Os conhecimentos empíricos passados de mãe para filha, ou de tia para sobrinha, iam além da compreensão da ciência. E, foi em 1484, o com o aval do Papa Inocêncio 8º, que a sabedoria popular, sem respaldo da Igreja, passou a ser coisa do Diabo. Mais tarde, muitos desses conhecimentos foram comprovados pela ciência, como o uso da sálvia, salsa, centeio, entre tantas outras ervas aplicadas na farmacologia.
Alguns textos, também falam que mulheres muito bonitas, inteligentes ou rebeldes à política, religião e sociedade, dominantemente patriarcal, eram levadas a fogueira. Assim, foi o caso da jovem Joana D´Arc, queimada viva, em 1431. Em 1920, foi canonizada pela Igreja Católica.
Foi em 1682, com Luis 14, que foi baixado um decreto proibindo a caça às bruxas, porém, ainda em 1782, foi registrada a última execução.
Mas, se você acha que essa caça às mulheres consideradas diferentes do padrão esperado pela sociedade acabou, você está engando.
Se em algum momento da sua vida, você falou para alguém de seus conhecimentos que sua avó lhe passou sobre os poderes benéficos das ervas; colocou uma roupa e não mediu a quantidade de acessórios para se achar bonita, chamando atenção por onde passava; buscou o autoconhecimento por meio de filosofia hermenêutica; não quis mais ficar casada, ou optou por não se casar; se recebeu toda a pressão para ter filhos e formar família, e fez a escolha de seguir sozinha e independente pela vida; expressou seu jeito de ser pela palavra oral e escrita, música, dança, poesia, sem medida, sem cortes…Cuidado! Você pode estar no alvo de gente muito má, querendo que você fique quieta, escondida, e volte para a caixa em que sempre tentaram colocar você.
Vivemos uma hipocrisia generalizada. Um discurso muito distante da prática. Respeito, inclusão, equidade, perdem espaço para homens e mulheres que abusam do poder se recursando de preconceito, moralismo e exclusão. Acontece o tempo todo em empresas, instituições públicas e privadas, nos processos seletivos obscuros, nas promoções sob apadrinhamento, nas blasfêmias causadas pela inveja alheia. Tudo fruto do medo de que grandes mulheres sejam espelhos e inspiração para que muitas outras mostrem sua força.
Mas, agora, tem uma pequena, mas valiosa diferença. Nós, mulheres, temos espaço para falar e sermos ouvidas. Temos muitos exemplos de mulheres contando as histórias dos abusos ocorridos durante anos. Alertando e lembrando que não precisamos de heróis, nem divindades na terra. Temos nossa própria voz. Temos Oprah Winfrey, Meryl Streep, McKayla Maroney, Jout Jout Prazer, Taís Araújo, Nana Queiroz, Clarice Falcão, Elza Soares, Rita Lee, Ju Romano, Giovanna Dealtry, eu, você e tantas mais…
Fazemos parte de um novo capítulo da história, participando ativamente e escrevendo o final que queremos e merecemos. “A luta contra o assédio continua”, disse Oprah em seu discurso maravilhoso na cerimônia do Globo de Ouro. Acredito nela. #metoo
Clicia Helena Zimmermann – professora, consultora e especialista em mapeamento de ciclos
Ilustração: Joan of Arc’s Death at the Stake, de Hermann Stilke (1843)