Quando se fala em Indústria 4.0, o primeiro pensamento é o impacto que a nova revolução vai gerar no mercado de trabalho. 

Com a inteligência artificial cada vez mais presente nas indústrias, a forma de trabalho evolui para um novo patamar.

A primeira grande mudança é na tomada de decisões. As máquinas cada vez mais vão conversar entre si e serão capazes de fazer escolhas, sem a interferência do homem.

“Essa é uma tendência. As informações são processadas e as máquinas vão definindo padrões. Quando se muda uma matéria-prima, por exemplo, o sensor vai perceber e já informa para a máquina, que sozinha já consegue mudar a ferramenta de trabalho”, explica Maurício Cappra Pauletti, diretor de operações de inovação e competitividade da Fiesc.

Com menos interferência humana nas plantas industriais, consequentemente, haverá uma diminuição daquelas atividades repetitivas e inseguras e a exigência cada vez maior de um trabalho mais intelectual.

É aí que entra a necessidade de qualificação. Mais do que nunca, a indústria vai exigir profissionais altamente qualificados e que consigam se adequar à nova forma de trabalho.

Com a Indústria 4.0 haverá um redirecionamento das funções nas fábricas | Foto: Portal da Indústria/Divulgação

“Por isso, está em curso um grande movimento de qualificação. A necessidade das indústrias vai ser de operadores, de pessoas que entendem de programação, manutenção preditiva, pessoas que sejam capazes de interpretar os dados repassados pelas máquinas. São funções que vão exigir mais em questões intelectuais do que braçais. Essa é a grande mudança”, destaca Pauletti.

De acordo com ele, haverá um redirecionamento das funções que hoje são tradicionais na indústria. Aos poucos, isso já vem ocorrendo, numa espécie de looping, que a longo prazo pode até se tornar um problema social.

São funções que vão exigir mais em questões intelectuais do que braçais. Essa é a grande mudança

“A gente percebe que as novas vagas surgem nas linhas de tecnologias e as vagas não estão sendo preenchidas. Tem um gap aí entre pessoas que estão desempregadas, mas são desqualificadas para vagas que não conseguem ser preenchidas, pois são funções com mais complexidade”, observa o diretor da Fiesc.

O diretor para assuntos de pequenas e microempresas da Associação Empresarial de Brusque (Acibr), Günther Lother Pertschy, ressalta que o impacto desta nova revolução industrial mexe na capacidade de formação multidisciplinar das pessoas. “Como uma pessoa vai estar apta para trabalhar com uma variedade de tecnologia que compõe uma fábrica inteligente? Nós já temos um histórico de falta de investimento em formação e para estar em um ambiente altamente tecnológico significa uma mudança de comportamento”.

Exigência de qualificação

Na RC Conti, em Brusque, a entrada no conceito 4.0 modificou a forma de trabalho. Se antes o setor de corte trabalhava em dois turnos, com seis colaboradores cada um, depois da mudança para o 4.0, o número de trabalhadores reduziu pela metade. Entretanto, não houve demissões, diz a diretora, Rita Cássia Conti.

“Os trabalhadores foram realocados para outros setores. O que acontece é que você vai ter que admitir profissionais capacitados para mexer naquelas máquinas. Vejo que a 4.0 vai gerar emprego, não desemprego. O que vai acontecer é a exigência de cada vez mais qualificação. E essa é a nossa grande dificuldade”.

Para o superintendente da ZM, Alexandre Zen, não apenas a fábrica tem que estar preparada para a 4.0, mas as pessoas que trabalham precisam de um novo pensamento. 

Fábricas precisarão de profissionais qualificados em todos os setores | Foto: Portal da Indústria/Divulgação

“Isso é a parte mais difícil para as indústrias, tanto em Brusque, quanto em Santa Catarina e no Brasil. A geração atual ativa não está preparada para isso ainda. É a geração mais nova, que está entrando agora, que vai oficializar essa nova realidade”.

Ainda hoje, o chamado chão de fábrica é visto como um setor de atividades mais braçais e, consequentemente, emprega pessoas com um grau de escolaridade menor do que as funções administrativas, por exemplo. A Indústria 4.0 vem para quebrar esse paradigma, ou seja, as fábricas precisarão de profissionais qualificados em todos os setores.

“O que vai acontecer com esse pessoal? Como mudar essa realidade, como transformar esse pessoal em menos operacional e mais cabeça? É muito difícil. Vai caber às empresas treinar essas pessoas? As instituições estão preparadas para isso?”, questiona o superintendente da ZM.

O diretor da Fiesc, Maurício Pauletti, observa que a nova revolução exige um movimento de parceria entre indústrias e instituições de ensino, minimizando assim, os impactos sociais que podem ser gerados com toda essa mudança de comportamento das indústrias.

“Se não houver um programa de requalificação e de entendimento da própria indústria, vai haver um movimento que vai impactar, sim, na questão social”.

O caminho até a Indústria 4.0

Ao longo dos anos, a indústria passou por diversas transformações que a moldaram para o que conhecemos hoje e foram fundamentais para chegar até esta nova fase, marcada por processos produtivos inteligentes, conectados e eficientes.

Foi um longo caminho percorrido até a evolução para Indústria 4.0, que propõe uma importante mudança de paradigma em relação à maneira como as fábricas operam nos dias de hoje.

O processo de industrialização é bastante antigo, e está em constante evolução, se adequando às novas descobertas e às particularidades de cada período da história.

Tudo começou na Inglaterra, em 1760, quando teve início a mecanização, com a invenção das máquinas para acelerar e substituir o trabalho humano. A descoberta do carvão como nova fonte de energia possibilitou a produção em larga escala, principalmente do têxtil, com a utilização de máquinas a vapor e a invenção de novos sistemas de transporte, como as locomotivas.

Inicialmente, essa mudança da indústria ficou restrita apenas à Inglaterra, depois espalhou-se para outros países da Europa, e ficou conhecida como a primeira revolução industrial.

Ao longo dos séculos, o processo industrial precisou passar por várias transformações | Foto: Divulgação

Foi mais de um século depois desse primeiro movimento que os processos industriais passaram por uma nova etapa de modernização. Já no século 19, mais precisamente a partir de meados de 1870, tem início a segunda revolução industrial.

O surgimento da eletricidade e do petróleo como novas formas de energia possibilitou o desenvolvimento de indústrias químicas e do aço, o que resultou na criação de novos inventos, como automóveis, telefones e rádios, e a expansão da produção em massa, com o conceito de linha de produção.

A segunda etapa da revolução industrial durou até o fim da Segunda Guerra Mundial. A partir daí, a industrialização caminha para uma nova fase, a terceira, possibilitada pelos avanços tecnológicos e a integração da ciência ao sistema produtivo. 

Surgem os equipamentos eletrônicos, telecomunicações e computadores. As indústrias que desenvolveram alta tecnologia começam a se sobressair em relação às indústrias que se destacavam nas fases anteriores da Revolução Industrial, como a metalurgia, siderurgia e a indústria de automóveis.

Máquinas mais eficientes, instrumentos mais precisos e a introdução de robôs alteraram o modo de organização da indústria, possibilitando o aumento da produção e dos lucros e diminuindo o tempo entre a fabricação e o produto final.

Quatro séculos depois, uma nova revolução tem início e, assim como as anteriores, deve mudar a forma como se vê a indústria tradicional, possibilitando uma transformação desde a cadeia produtiva até a relação com os colaboradores, em busca da sobrevivência em meio a um segmento tão competitivo e fundamental para a economia de qualquer país.


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