No ano em que se comemora 100 anos do nascimento do padre Raulino Reitz, e na semana em que se lembra os 19 anos da morte dele, O Município publica uma série de reportagens sobre a vida e obra do religioso, botânico e escritor catarinense que teve uma contribuição imensurável para a ciência brasileira e tem forte vínculo com Brusque.

Reitz está no panteão dos grandes botânicos brasileiros e até mundiais. Não à toa seu amigo, e também botânico Lyman Bradford Smith, chegou a afirmar que o padre foi o maior botânico das Américas no século 20.

Esta série de reportagens, a ser publicada até a sexta-feira, 22, foi possível, em grande parte, devido ao esforço do escritor e pesquisador Aloisius Carlos Lauth, que tem se dedicado a lembrar a memória e o legado de Reitz.

O escritor lançará dois livros sobre o personagem ainda neste ano e teve papel preponderante para a publicação destas reportagens.

Uma família de padres

Raulino Reitz nasceu em 19 de setembro de 1919, em Alto Biguaçu, hoje o município de Antônio Carlos, na Grande Florianópolis. Os pais dele eram Nicolau Adão e Ana Vilvert Reitz, que viviam da agricultura e pecuária. Mas a família era de padres, pois dos nove filhos, três seguiram o sacerdócio: João, Afonso e Raulino.

Raulino Reitz, aos 8 anos de idade, ainda em Antônio Carlos | Foto: Acervo Aloisius Carlos Lauth

Influenciado pelo irmão mais velho, em 1932, aos 13 anos, o garoto decidiu entrar para o seminário e veio para Azambuja. Reitz era um aluno mediano no aproveitamento escolar no curso do Seminário de Azambuja.

Em 1936, a reitoria do seminário tentou transformar o sexto ano do ginasial em um novo curso de Filosofia, com a presença de João Reitz, que havia acabado de se formar na Universidade Gregoriana de Roma (Itália).

Todavia, a Igreja Católica não reconheceu o curso, que foi encerrado. Com isso, os seminaristas são transferidos para o Seminário Central de São Leopoldo (RS).

O detalhe é que o seminário gaúcho era dirigido pela Congregação Jesuíta. O escritor lembra que a formação de padres jesuítas é muito pautada por “disciplina, rigor e moralidade”. Essa rigidez marcaria a vida de Reitz como um botânico sistemático e muito organizado.

Raulino Reitz nasceu em uma família religiosa que teve mais dois padres além dele | Foto: Acervo Aloisius Carlos Lauth

O soldado Reitz

Em 1939, estourou a Segunda Guerra Mundial. Com isso, o presidente da República, Getúlio Vargas, mobilizou as tropas no país. Isso afetou diretamente o Seminário de São Leopoldo, que foi transformado em escola militar.

Raulino Reitz foi alistado, compulsoriamente, como soldado raso. O aspirante a padre passou a integrar o Exército Brasileiro e recebeu treinamento militar, inclusive com armamento.

Mas o soldado Reitz não foi para a guerra. Em 1940, ele seguiu para o curso de Teologia. Seu interesse inicial era coletar plantas para chás e remédios que eram entregues ao presídio de Porto Alegre.

Em 5 de setembro de 1943, o então seminarista, que já tinha fundado um pequeno herbário particular, foi ordenado padre. Passou a trabalhar no Sul do estado e, em 1947, Dom Joaquim de Oliveira, arcebispo, enviou-o para Azambuja.

Por alguns anos, o padre é enviado de uma paróquia para outra, conforme a necessidade da Arquidiocese. Até que, em 1947, ele assumiu a função de professor do Seminário de Azambuja.

Soldado Reitz, alistado compulsoriamente enquanto estava no seminário em São Leopoldo (RS) | Foto: Acervo Aloisius Carlos Lauth

Formação nos Estados Unidos

Padre Raulino Reitz sempre demonstrou interesse pela ecologia e isso era genético, por assim dizer. Pois o avô, Johann Adam Reitz, havia sido responsável, anos antes, por introduzir a técnica de reflorestamento com ingazeiros em de áreas degradadas de Biguaçu e nas colônias agrícolas de Luis Alves, Vidal Ramos e Ituporanga.

O gosto pela botânica ficou ainda mais forte, em 1955, quando ele partiu para a Iowa State University, em Ames (EUA), para cursar especialização em botânica. O religioso estudou tecnologia de madeira e microtécnica botânica, com a bolsa concedida pela Fundação Memorial John Simon Guggenheim.

Durante a passagem nos Estados Unidos, ele estagiou no US National Herbarium e no Smithsonian Institution. Neste último local, ele teve contato com Lyman Bradford Smith, o que faria toda a diferença em sua vida.

Lauth avalia que essa passagem pelo país americano modificou o perfil de padre Reitz, que voltou com uma cabeça mais aberta e com novas ideias para o desenvolvimento da botânica catarinense e brasileira.

Contribuição à botânica

Padre Reitz teve contribuição inestimável para a botânica de Santa Catarina e do Brasil. Entre as décadas de 1950 e 1980, realizou centenas de expedições, catalogou plantas e publicou artigos que são referência nas ciências de hoje.

O padre investiu seu próprio salário de professor na causa que acreditava. Em 1961, ele comprou da família Buettner, de Brusque, as terras de Ilhota. Para o pagamento, pegou empréstimo pessoal no Banco Inco, ficando sem dinheiro por 2 anos de meio. E instalou na propriedade o Parque Botânico Morro do Baú, para preservar uma parcela significativa da Mata Atlântica.

Fundou também, em 1976, a pedido do governador Antônio Carlos Konder Reis, a Fatma, hoje o Instituto de Meio Ambiente. Reitz também promoveu a implantação do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, Baixada do Maciambu, Parque Estadual da Serra Furada, Reserva Biológica Estadual da Canela Preta, Reserva Biológica Estadual do Aguaí e as estações ecológicas de Carijós, Timbés e da Babitonga.

Após conhecer o modelo americano de terras protegidas, Reitz redigiu de próprio punho o capítulo sobre as áreas de proteção especial e das zonas de reserva ambiental no decreto estadual 14.250, o que se tornou a primeira normativa de controle sobre o meio ambiente em Santa Catarina.

Reitz foi, também, fascinado pelo universo e pelas estrelas, por isso os estudava e levava em conta as fases da Lua para sua expedições. Ele realizou observações relevantes das estrelas e de cometas, como o Halley.

A morte cinematográfica

Padre Reitz, junto com o amigo e sócio Roberto Miguel Klein, foi um dos homenageados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), na Cidade do México, em junho de 1990.

Na volta, o nome do padre caiu na boca do povo, conta Lauth. A Câmara de Vereadores de Itajaí resolveu então homenageá-lo em 19 de novembro de 1990.

Ele conta que o dia estava muito calor à beira mar e com pouco vento e o auditório da Câmara estava lotado.

Depois de vários discursos, passaram a palavra para Reitz. Debilitado, ele foi à tribuna, agradeceu a homenagem, emocionado, e pediu para discursar sentado por motivo de saúde.

Quando voltou à mesa e foi sentar-se, caiu no colo do presidente da mesa, que tentou erguê-lo, sem sucesso. O salão ficou em silêncio.

Padre Reitz esboçou apenas um leve sorriso. Dois médicos, Mauro Machado e Volnei Morastoni – hoje prefeito de Itajaí -, tentaram socorrê-lo, mas não foi possível.

O padre havia passado por uma cirurgia de coração, com implante de ponte de safena e duas mamárias, em 1985, no Instituto do Coração de São Paulo. Dois anos depois, ele teve um pré-infarto.

Padre Reitz foi levado da Câmara ao Hospital Marieta Konder Bornhausen e internado na UTI. Alguns acreditam que o padre morreu quando caiu na Câmara, mas mesmo assim ele foi entubado e tentaram reanimá-lo.

Último retrato tirado de Raulino Reitz antes da viagem ao México, em 1990 | Foto: Acervo Aloisius Carlos Lauth

Padre Francisco de Assis Wloch, hoje reitor do Seminário de Azambuja, foi ao hospital dar a unção dos enfermos Reitz ao padre. Ele conta que ministrou o sacramento dos doentes, mas o colega já não tinha mais nenhuma reação.

Padre Francisco foi aluno de Reitz e conta que ele era um homem simples e humilde, apesar de toda a sabedoria. Seu conhecimento se destacava por si só, sem necessidade de autopromoção.

Para o atual reitor do Seminário, padre Reitz foi um grande sacerdote.

“Evangelizar não é só levar a pessoa a rezar, a oração tem que me conduzir a vida, ação e transformação. Por isso, digo que o padre Raulino foi, nesta ótica, um padre no verdadeiro sentido da palavra, porque a ação dele foi em benefício da sociedade, da transformação, da conservação, da preservação da natureza, da memória histórica”.

Oficialmente, padre Reitz morreu, aos 71 anos, na manhã do dia 20 de novembro, apesar de ter sido internado já sem vida.