O dia pálido com a chuva caindo mansa. Segunda-feira parece entorpecer os sentidos. Dentro dela um efeito borboleta, nuances e marcas das experiências vividas. É um redemoinho estrondoso e barulhento que reconhece a morada, e vibra da ponta do dedo do pé até o alto da cabeça. Bem no meio, onde há um fio que a liga para algo fora dela. São tantas intenções que não cabem em seu um metro e cinquenta e três. Além disso, há o medo…sempre ali a espreita-la. Tão dissimulado, que ás vezes até ela pensa que ele não está lá…e então se aventura. Com um tipo de febre insensata, rodopia sobre si mesma. Tudo começou em uma penumbra parecendo espontânea. Os passos, pé após pé, lenta e com uma trilha sonora não identificável. Tinha vontade de abrir os braços para flanar, mas não ousava. Deixava-os rente ao corpo, quase posição de sentido. Talvez fosse filha de militares¿ Tenta reconhecer o entorno, verificar se o cenário era revelador de seu destino. Mas, nada. Cores ainda insípidas, mescladas daquele branco retinto. A temperatura também variava muito…fora o calor do corpo, o lado de fora parecia amorfo, sem expectativas. Seu figurino errante não lhe dava pistas, basicamente jeans, camiseta, tênis. Mais corriqueiro impossível. Sabia algumas coisas irrelevantes: tinha olhos claros, cabelos castanhos longos e lábios carnudos. As unhas pareciam ter sido pintadas de vermelho, e estavam descascadas. Não possuía joias, teria sido assaltada¿ Era início de semana, e ela ali a procura de si mesma, sem reconhecer-se. Sabe que por certo deve pertencer a alguma história, já que não é nenhum bebê, mas uma mulher feita. Se ao menos um raio de sol iluminasse sua caverna de platão, deixaria de ver apenas sombras, e juntaria coragem para adentrar o lá fora de si….Entraria então em contato com os outros, ali parados naquele ponto de ônibus, também silenciosos e obtusos, olhando fixo para frente, para um ponto além deles…Seriam seus conhecidos, faziam parte de sua história¿ Mas nada. A chuva fina mantinha a penumbra, que tornava tudo em volta introspectivo e mudo. O barulho do ônibus que se aproximava, moveu as sombras em sua volta. Um a um entraram no veículo e ela ficou olhando enquanto o ônibus continuava sua trajetória. E ela ali, solitária, apenas acompanhada do medo, que deixara de ficar invisível para tornar-se seu acompanhante. Aflita, e sem saber bem o que fazer, já que não sabia a qual história pertencia, sentou-se no banco e aguardou. Com as mãos sobre o colo cheio e os olhos a deriva, esperou que o diretor lhe gritasse: ação!

 

Silvia Teske – artista