Vocês já devem estar familiarizades com a tal moda das croppeds: são blusas (quase sempre justas) que não cobrem a barriga. Geralmente usadas com saias ou calças de cintura mais alta, elas ainda assim deixam a mostra alguns centímetros de pele que não costumam sentir a luz do sol, muito menos dos olhares de humanos desavisados – sobretudo homens – com dificuldade em conter a própria lascívia, ou obcecados pelo excesso de peso alheio.
Pois bem, por questões despretensiosas advindas de minha criação, não me sentia tão confortável em expor a carne abdominal senão na intimidade de quatro paredes, ou então na completa falta de sentido do contexto praiano. Entretanto, como apoiadora do empoderamento feminino, tal como da liberdade individual, recentemente resolvi adquirir a cobiçada novidade do vestuário feminino, pensando encontrar nela mais uma possibilidade de descobrir e usar meu próprio corpo.
Depois de vários dias a escondendo no armário, provando e guardando novamente, resolvi “compor um look” com a dita cuja, e munida do que eu achava ser toda a autoconfiança que guardava no roupeiro, saí com ela.
Luz do dia. Três centímetros abdominais expostos.
Logo no primeiro quarteirão vieram olhares invasivos e um comentário em voz alta, feito por um desconhecido que não deve conhecer o real significado da palavra respeito. Sem pensar ou perceber, não contive o ímpeto de erguer a ele um dedo – que não era o indicador – e xingar o sujeito, que nem sequer ouviu! Nessa hora me é impossível evitar a ideia de que os olhos dele já caçavam a próxima mulher a ser objetificada pelo desejo descomedido do tal cidadão. A próxima que seria alvo de assédio disfarçado de elogio, como alguns chamam por aí.
Veja só, sou uma defensora absoluta de que sempre devemos aceitar e perseguir nossos desejos – caso contrário eles fermentam dentro de nós e nos envenenam* -, mas abraçar um desejo nem sempre significa fazê-lo de forma escancarada ou literal. Quando nossas vontades interferem no espaço ou liberdade de outro ser, é preciso conhecer o significado do que é respeito.
De tal modo, espero que a austeridade e a autocrítica falem mais alto do que a violação da dignidade alheia, mascarada de elogio.
*Dica de leitura (de onde tirei esta frase) que não necessariamente cola com o tema do texto, e sim com o tema do desejo: O retrato de Dorian Gray, de oscar Wilde.
Eduarda Paz – Psicóloga