Preocupada com a formação de seus padres e, consequentemente, o contágio da malária, a Igreja Católica, em Roma, na Itália, manda que o Seminário Menor Metropolitano Nossa Senhora de Lourdes, mais conhecido como Seminário de Azambuja, seja transferido de Brusque. Os estudantes e o entorno têm de conviver com a doença contagiosa por anos, mas a persistência prevalece e a instituição existe até hoje.

Esta e outras situações que envolveram o Seminário de Azambuja, que completa 90 anos de instalação em Brusque hoje, são dignas de um filme. Com nove décadas, a casa de formação coleciona muitas histórias impressionantes. Embora contar tudo seja impossível, há alguns fatos importantes de serem lembrados neste dia especial.

Três dias de Florianópolis a Brusque
A fundação do seminário ocorreu em 11 de fevereiro de 1927, por Dom Joaquim Domingues de Oliveira. Por dois meses, funcionou em Florianópolis, cidade-sede da arquidiocese, de acordo com o historiador Paulo Kons. As condições eram precárias, conta o padre Eder Claudio Celva, escritor e formador no Seminário de Azambuja. Sem ter lugar apropriado para um seminário na capital, Dom Joaquim realizou um desejo antigo e o transferiu para o bairro Azambuja, onde já funcionava o Hospital Arquidiocesano Cônsul Carlos Renaux, administrado pela igreja.

A transferência para Brusque, no entanto, começou uma viagem cheia de problemas, com estradas em péssimas condições. Segundo padre Eder, os dois primeiros caminhões com a mudança partiram da capital no dia 18 de abril de 1927. No dia seguinte, mais um caminhão saiu de lá, junto com 11 meninos. Mas, no meio do trajeto, teve problemas mecânicos.

“A viagem foi péssima, exigiu paciência. Foi preciso pernoitar no Colégio das Irmãs em Tijucas”, conta padre Eder. No dia 20, à tarde, chegou socorro para o caminhão e foi possível seguir viagem.

Mas a jornada ainda reservava surpresas para os seminaristas. Na Serra do Moura, o veículo voltou a ter problemas. Eles não tiveram outra solução senão abandoná-lo e fazer o resto do caminho a pé.

Turma de seminaristas posa para foto de inauguração, em 1964 – Crédito: Acervo Willian Pianizzer

“O quarto e último caminhão que trazia o restante dos móveis do seminário transferido chega providencialmente e reboca o enguiçado até Nova Trento, quando se contratou outro caminhão para levar os pertences”, diz padre Eder.

Os registros históricos indicam que o último comboio chegou ao Seminário de Azambuja pouco antes da meia-noite do dia 20 de abril de 1927. Assim, 21 de abril foi o primeiro dia de funcionamento da instituição em Brusque.

“No dia seguinte, com o grupo reunido e as coisas já em seus lugares, começam as aulas regularmente”, afirma padre Eder.

Malária e devastação em Azambuja
A história da transferência do seminário para Brusque também teve contornos dramáticos. “O clero relutava em organizar o seminário perto dos loucos do hospício e dos doentes do hospital”, conta o historiador Paulo Kons. À época, o único hospital psiquiátrico existente em Santa Catarina era o de Azambuja, transferido para Colônia Santana, em São José, em 1942.

Após idas e vindas, com as dificuldades enfrentadas em Florianópolis, o desejo de Dom Joaquim concretizou-se. A primeira sede do seminário foi no prédio do hospital, onde hoje em dia é o Museu Arquidiocesano Dom Joaquim.

No final da década de 1930, a malária atingiu Brusque, e os seminaristas também adoeceram. “Houve dias nos quais a maioria dos seminaristas estavam acometidos pela febre. Não havia ‘quorum’ para as aulas”, conta o padre Eder.

Os dormitórios ficavam lotados com seminaristas doentes. Na enfermaria, havia filas para atendimento, e o hospital já não podia mais atender ninguém devido à lotação.

Diante de tamanho problema, o Serviço Nacional de Malária mandou que as matas num raio de 100 metros do Seminário de Azambuja – assim como de outras povoações da cidade – fossem derrubadas, com o objetivo de evitar a proliferação dos mosquitos que infectavam com a malária.

Registro de monsenhor Valentim Loch, reitor do seminário, e Dom Joaquim, arcebispo de Florianópolis, no dia da inauguração, em 1964 / Acervo Willian Pianizzer

“Um vale com vários morros e matas virgens à época, Azambuja ganhou um ar melancólico na década de 1940”, afirma o padre e escritor. A situação foi tão grave que, depois da inspeção do visitador apostólico dos seminários do Brasil, monsenhor Manuel Pedro da Cunha Cintra, ordens de Roma mandaram transferir o seminário para outro local.

Entretanto, o arcebispo interveio e deu nova interpretação à determinação vinda de Roma, o centro das decisões da Igreja Católica em todo o mundo. Segundo o padre Eder, em 1949 a doença diminuiu drasticamente e as atividades voltaram ao normal.

Crise após o Concílio Vaticano II
O Concílio Vaticano II teve forte impacto sobre o Seminário de Azambuja, e alguns religiosos chegaram a sugerir o fechamento de suas portas. O concílio reuniu religiosos de todo o mundo e durou de outubro de 1962, sob o papado de João XXIII, até dezembro de 1965, já com o papa Paulo VI. Esse encontro mudou várias tradições da Igreja Católica e levou a mudanças em alguns seminários.

O Seminário de Azambuja sempre foi conhecido por ser tradicional. Com o concílio, houve quem defendesse seu fechamento, conta Dom Vitus Schlickmann Roetger, hoje bispo emérito de Florianópolis, que foi reitor na década de 1970.

“Foi uma época em que muitos seminários do Brasil foram extintos. Alguns padres eram a favor de encerrar as atividades do Seminário de Azambuja, porque era muito fechado”, afirma. Alguns padres tentaram experiências novas na formação dos seminaristas, mas sem sucesso.

“Dom Afonso, o arcebispo, deu autorização para experiências. Aí se viu que era tudo conversa fiada. Ninguém começou a experiência de formação nas paróquias. Eu, como reitor, e Dom Afonso, decidimos continuar com o seminário, não com a rigidez antiga, mas exigindo a boa formação espiritual e intelectual”, relembra.

Pacificador em meio aos militares
Dom Jaime de Barros Câmara, o primeiro reitor do Seminário de Azambuja, foi importante não só para a instituição, mas para o Brasil. Ele foi arcebispo, eleito em 1943, e cardeal, em 1946, no Rio de Janeiro, capital do país à época. Segundo o historiador Paulo Kons, Dom Jaime foi importante durante a crise do governo do presidente da República Getúlio Vargas, em 1954.

Dom Jaime foi o primeiro reitor do Seminário de Azambuja, em 1927 / Divulgação

“Na crise final do governo Vargas, Dom Jaime Câmara dirigiu-se no dia 10 de agosto de 1954 ao palácio do Catete, objetivando mediar uma saída para a dramática situação”, diz Kons. Vargas afirmou a Dom Jaime que não renunciaria, no entanto, se matou no dia 24 de agosto.

O ex-reitor de Azambuja teve, então, papel preponderante na solução da crise a seguir, segundo as pesquisas de Kons. Após o presidente interino Carlos Luz ser afastado da presidência pelos militares por suspeita de ligação com pessoas que queriam impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek, Dom Jaime entrou em ação.

O arcebispo e cardeal, como emissário do governo, conversou com Carlos Luz para evitar confrontos sangrentos. A solução encontrada foi a volta de Café Filho, que sofreu impeachment e foi sucedido pelo catarinense Nereu Ramos, então vice-presidente do Senado.

Depois, Dom Jaime ainda desempenhou papel para acalmar os ânimos nas Forças Armadas, que estavam divididas politicamente, o que possibilitou a posse de Kubitschek e João Goulart, em 1956.

“Dom Jaime de Barros Câmara concorreu decisivamente para a manutenção da estabilidade política brasileira em vários episódios marcantes”, afirma o historiador.


Reitores do Seminário de Azambuja

1927 – Pe. Jaime de Barros Câmara
1936 – Pe. Bernardo Peters
1946 – Pe. Afonso Niehues
1959 – Pe. Valentim Loch
1971 – Pe. Vito Schlickmann
1984 – Pe. João Francisco Salm
1992 – Pe. Bertolino Schlickmann
1996 – Pe. Francisco Rohling
1999 – Pe. Luís Antônio Caon
2006 – Pe. Siro Manoel de Oliveira
2009 – Pe. Pedro Schlichting
2016 – Pe. Francisco de Assis Wloch