Ao entrar no prédio, o visitante se depara com uma imponente e centenária escada. O corrimão e a parte externa são trabalhados em formas que quebram a sua rigidez de madeira escura e forte. É impossível não imaginar quantos pés já subiram e desceram aqueles degraus que compõem o prédio que hoje abriga o Museu Arquidiocesano Dom Joaquim.
Prova disto são as laterais gastas em toda a extensão da escada, o que evidencia uma grande parte da história do Vale de Azambuja e de Brusque, que foi escrita ali. “Na época que aqui foi seminário, os meninos tinham que andar sempre em dupla, como se fosse um regime militar. Isso aconteceu por anos e anos, e por isso, os degraus são gastos nas laterais, apesar do mais comum ser pisar no meio do degrau”, explica a coordenadora do museu, até junho deste ano, Kamilla Alexandre Pereira.
Hoje, as escadas levam os visitantes do museu a uma viagem no tempo e na história da cidade, mas desde o início do século passado, quando o prédio começou a ser erguido, foi caminho para doentes, médicos, seminaristas e padres.
“Aqui existia o hospital psiquiátrico, uma construção em madeira e, atrás, o asilo. Quando o padre Gabriel Lux veio da Alemanha, fez mudanças na região do Vale, e construiu uma parte deste prédio. No porão, onde hoje é o espaço cultural, funcionava o antigo sanatório, e no térreo havia os quartos, que chegaram a atender até os leprosos. A construção deste prédio iniciou em 1907 e foi até 1911”, conta.
A partir desta construção, o Vale de Azambuja começou a se desenvolver. Foi então, em 1927, que a edificação ganhou mais uma função: além de hospital e sanatório, o local tornou-se seminário. “O Seminário Menor Arquidiocesano de Florianópolis passou a funcionar aqui porque queriam uma expansão. Assim, o térreo era o hospital, no porão ainda era o sanatório, no primeiro pavimento eram salas de aula e quartos de alguns padres e, por último, no sótão, era o espaço com as camas dos meninos. O prédio teve uma multiplicidade de usos”.
Anos depois, com a construção do hospital no terreno em frente, o prédio passou a ser exclusivo dos seminaristas. “O seminário tinha mais de 300 seminaristas, era muita gente, então eles aumentaram o prédio até se tornar como o conhecemos. O local ficou como seminário até 1956, quando foi feito o lançamento da pedra fundamental do novo prédio”.
Depois de erguido o atual seminário, o primeiro prédio construído no Vale de Azambuja – fundamental para o desenvolvimento de toda a região – ficou vazio. Encerrava ali um capítulo da história do Vale dos Milagres para dar início a outro, que dura até hoje.
UM PRESENTE NO CENTENÁRIO
O prédio que foi o berço de Azambuja não poderia ficar sem função. Foi então que dom Afonso Niehues, sucessor de dom Joaquim Domingues de Oliveira – segundo bispo da Diocese de Florianópolis e que dá seu nome ao local – pediu à diocese para que o prédio histórico se tornasse um museu. O pedido do bispo foi atendido e o museu começou a funcionar em 3 de agosto de 1960 – véspera das comemorações do primeiro centenário de Brusque.
Apesar de ser inaugurado em 1960, a história do museu inicia bem antes, em 1933, quando um homem simples doou todo o seu acervo de antiguidades à diocese em troca da gratuidade dos estudos de seu filho no seminário.
“Joca Brandão tinha uma infinita coleção particular de antiguidades e o filho dele estudava no seminário. Em troca dos estudos do filho, Joca doou sua coleção particular para os padres. Assim começou o nosso acervo”, conta Kamilla.
Assim, o prédio ficou conhecido como Museu Joca Brandão, mais tarde tornou-se Museu Arquidiocesano Joca Brandão, até ser oficialmente batizado de Museu Arquidiocesano Dom Joaquim. “A arquidiocese ficou em dúvida em colocar o nome de Joca Brandão no museu, já que ele não era sacerdote, por isso, decidiram dar o nome do bispo anterior”.
O vasto acervo do museu foi construído com a ajuda de padres de todo o país. “Foi pedido para que todos os padres doassem objetos sacros para compor o museu. Diversos sacerdotes de todo o Brasil começaram a doar o pouco que tinham de capelas antigas que estavam sendo demolidas, e não seriam mais usadas. Por isso, o nosso museu chega a ter em torno de cinco mil peças só em arte sacra”, destaca.
ESTRUTURA X RECURSOS
De 1911 até hoje, o prédio do museu já passou por diversas mudanças em sua estrutura, no entanto, a peculiar fachada – que segundo estudiosos pode ser enquadrada nos estilos românico e neogótico – permanece original.
“As características mudaram com o tempo. Mudaram, na verdade, desde a época que esse prédio virou seminário. Algumas paredes foram fechadas, outras abertas, mudaram as disposições das salas, todo o museu teve alteração, apenas a parte externa não mudou nada. A nossa fachada continua intacta, as portas e a escada continuam as mesmas”, diz.
Kamilla ressalta ainda que manter a conservação de todo o prédio não é nada simples. “Exige muitos recursos. Principalmente o gasto de energia que temos com ele é enorme. Gastamos em torno de R$ 12 mil mensais”.
O museu recebe verba da prefeitura por meio da Secretaria de Educação e da Fundação Cultural de Brusque, no entanto, não é o suficiente. “Por isso, tomamos algumas medidas, que são ações voluntárias para ajudar a manter a preservação do prédio. Construímos um quiosque na lateral para poder vender cachorro quente nas missas e festas da igreja. Todo valor que ganhamos é voltado para investimento no prédio, tanto com pintura, troca de fiação, qualquer coisa que o prédio esteja precisando”.
Além disso, o museu participa de projetos para recursos estaduais e federais. “Todos os projetos são voltados à área da cultura, mas quando não temos essa ajuda, a única forma mesmo é a venda do cachorro quente e rifa”.
VALOR AO PATRIMÔNIO
Segundo Kamilla, a iniciativa de Dom Afonso em transformar o prédio vazio em museu foi fundamental para a sua conservação, passados 104 anos. “Brusque tem uma cultura histórica muito rica, todo brusquense tem esse apreço pela história da família, de sua casa, da cidade. Quando o prédio tornou-se museu, eu vejo como um dos pontos mais importantes até na história da arquidiocese. Foi uma atitude da mitra de trazer o conhecimento ao povo, abrir as portas à comunidade para que ela também tivesse a oportunidade de acompanhar e fazer parte de toda história da cidade”.
A ex-coordenadora também ressalta a importância de que imóveis históricos como o museu tenham uma função na sociedade. “O imóvel não pode estar lá, sem uma função. Pode ser a casa de maior importância histórica e arquitetônica possível, mas sem uma função para a sociedade, a gente acaba perdendo. Temos que tomar cuidado para que essas edificações não se tornem abandonadas, porque aí é que mora o perigo”.
Para ela, é importante também que haja o interesse e a iniciativa de proprietários de imóveis históricos em manterem a sua conservação. “É claro que todo proprietário quer ter um retorno financeiro, às vezes, o retorno pode não ser tão grande, mas a função social vale muito mais do que o dinheiro”.
O MUSEU
O museu recebe, em média, 1,5 mil visitantes ao mês. O prédio tem três pavimentos, todos abertos ao público. O térreo é voltado para a história natural. Com peças de arqueologia, paleontologia, geologia e também taxidermia, que é a técnica de preservação da forma da pele, dos planos e dos tamanhos dos animais.
O primeiro pavimento é dedicado à arte sacra. “Temos salas com as esculturas de arte popular, vestimentas antigas dos padres, quadros, crucifixos, e o quadro de Nossa Senhora de Caravaggio pintado pela condessa na Itália e encaminhado para o Vale para que os imigrantes tivessem, pelo menos, uma imagem de sua santa de devoção”.
No último pavimento é contada a história de Brusque, desde os indígenas até a imigração. “Temos móveis dos imigrantes, o primeiro mapa de Brusque que foi loteado por Pedro José Werner, a história da tecelagem e dos índios que tínhamos na região”.
É esse grande e imponente prédio que guarda, intacta, boa parte da história de Brusque. E assim, protegida entre as diversas paredes centenárias do prédio de tijolos à vista, ela pode continuar sendo escrita pelos séculos e séculos que virão.