Aos domingos, Elisa e as demais crianças custavam a dormir. Ela estava habituada ao intermitente som dos teares do terceiro turno da fábrica, os quais, na data reservada ao descanso dos trabalhadores, silenciavam. “Era impossível dormir com aquele silêncio”.
Elisa Schlösser Niebuhr presenciou a ascensão e o declínio da Companhia Industrial Schlösser. Enquanto criança, acompanhava diariamente as atividades da empresa da família, morando na residência de seu pai, Arthur Schlösser, hoje desocupada.

A casa está localizada ao lado do parque fabril – hoje desativado – e, por isso, impossível era dissociar a rotina familiar da laboral. “A gente não sabia onde acabava a vida na casa e começava na fábrica”, conta a filha de Arthur Schlösser. O espaço foi comprador pela Havan em 2017 e integrará o projeto Vila Schlösser.

Eram outros tempos, quando a batida dos teares martelava insistentemente. Hoje, não mais os teares são ouvidos, tampouco a casa é habitada. Um pedaço do teto, deteriorado, ameaça ruir. Dentro, só poeira e móveis velhos.

Casa, antigamente, possuía diversos jardins em seu entorno; hoje, flores ainda compõem a paisagem

O tempo, que levou embora o vigor do setor têxtil brusquense, não pôde, porém, apagar as memórias. “É até difícil olhar para ela hoje e lembrar o que costumava ser”, afirma Elisa, enquanto remexe em uma pilha de fotos antigas, do tempo em que morou na casa do pai, que antes havia sido do avô, Hugo Schlösser.

O imóvel, datado de meados de 1944, não possuía complexos padrões arquitetônicos. Era uma casa de estilo simples, cujas cores – branca com janelas e adereços marrons – seguiam o padrão das edificações construídas para a fábrica, em mais uma demonstração de que a vida em um espaço não estava dissociada do que acontecia noutro.

Elisa nasceu nesta casa, que foi construída pelo avô para os pais morarem, e lá ficou até se casar, em 1967. Com saudade, relembra a época de ouro do local. “Era um tempo em que todo mundo brincava nas ruas, não havia calçamento, o jardim era muito usado, era muito bonito e bem cuidado”.

Estima-se que a construção foi edificada entre 1944 e 1946

Ela prossegue, saudosista, seu relato sobre a vida na casa e nos arredores. “Na horta plantava-se de tudo, tinha roseiras e árvores onde a gente brincava de cabana. Era uma época muito bonita, a casa muito bem cuidada, maravilhosa”.

LEMBRANÇAS DA INFÂNCIA
O vigor dos anos de ouro da fábrica são, até hoje, lembrados pela ex-moradora da casa ao lado. Enquanto criança, Elisa costumava passear com seu pai em carrinhos nos quais os funcionários da empresa carregavam algodão. Junto do irmão, ela acompanhava as vistorias semanais que o pai realizava na empresa, aos domingos.

Dois anos depois de Elisa se casar, seu pai, Arthur, faleceu, em 1969. A esposa dele, um ano depois, mudou-se da residência: não havia mais sentido permanecer, sozinha, em uma casa tão grande, feita para famílias com filhos, conforme o padrão da época em que foi construída.

“Já se passaram muitos anos, e as boas lembranças estavam todas lá dentro”, afirma Elisa, ainda revirando a pilha de fotos antigas da família, todas registrando momentos vividos na casa de seus pais.

A deterioração do imóvel é visível

“Então é difícil ver uma coisa que parece que não pertence mais àquela época, porque a casa está completamente diferente, mal cuidada, não é mais o que eu tenho na minha lembrança. Era uma casa em que vivi momentos felizes e tristes também, meu pai, quando faleceu, foi velado na casa”.

Cozinha, sala de estar, sala de jantar e banheiros no andar de baixo; no de cima, os quartos. Nos fundos da casa, estava a fachada da Companhia Industrial Schlösser. Ao lado, no espaço que hoje abriga a guarida da portaria da fábrica, havia pinheiros, na década de 1940. “Hugo Schlösser fez a casa da forma que achava bonito”, conta Elisa.

ALOJAMENTOS
Depois de não ser mais habitada, a casa ficou sem uso durante algum tempo. Ninguém sabe informar precisamente as datas, mas, após ficar sem habitantes, o imóvel passou a servir aos propósitos da empresa.

O último uso dado à residência foi como alojamento de funcionários

Com isto, a casa passou a ser utilizada como alojamento de funcionários. Suas entradas ganharam placas: “banheiro”, “refeitório”, vestiário masculino”. A residência, em visita recente, ainda apresentava conservadas essas placas, sendo elas o último indicativo de que alguém a habitou.

Também não há informação sobre em que data o espaço deixou de servir de alojamento e ficou, terminantemente, inabitado. O certo é que, dia após dia, a casa se deteriora. Em que pese estar conservada na maior parte de seu espaço externo, o tempo já começa a fazer seu trabalho e sinais de desgaste aparecem.

Na parte interna, alguns objetos ainda permanecem, como armários de ferro cinzas, de diversos compartimentos, os quais provavelmente foram implantados para que cada funcionário tivesse um espaço reservado para guardar seus pertences.

O desgaste da casa acompanhou o da fábrica. Assim como outras centenárias de Brusque, a Companhia Industrial Schlösser passou a ter dificuldades em se manter no mercado, e hoje está em recuperação judicial, sem atividades laborais.

A casa faz parte do patrimônio da empresa e não há garantias de que permanecerá em pé. Como quase tudo que compõem os bens da Schlösser, pode ser vendida para pagamento de débitos. A companhia, fundada no dia 1º de janeiro de 1911, já chegou a produzir de 800 a 1,2 mil metros de tecidos planos por mês.

A atividade laboral que pulsava na avenida Getúlio Vargas, aos poucos, chegou ao fim. Destino igual teve a residência, que agoniza solitariamente no terreno. De frente para a rua, a silenciosa residência só observa a vida passar.